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Bloqueio do X no Brasil é diferente do da Turquia, afirmam checadores
Esta reportagem foi atualizada para ajustes de informações.
02.09.2024 - 11h26
"O nível de tensão entre o X e o Brasil é surpreendente para o mundo inteiro". Foi com esse tom de ênfase que o diretor da organização de fact-checking turca Teyit, Emre İlkan Saklıca, resumiu o que pensa sobre o fato de a rede social do bilionário Elon Musk ter sido bloqueada em território nacional brasileiro por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF) na sexta-feira (30).
Crédito: REUTERS/Ueslei Marcelino
Em entrevista concedida à Lupa por e-mail na manhã deste sábado (31), Saklıca deixa claro, no entanto, que a comparação entre o que ocorre no Brasil e na Turquia é, em parte, indevida. Por aqui a decisão é jurídica. Por lá, do governo do presidente Recep Tayyip Erdoğan, criticado por ter, segundo diversos relatórios, ordenado a prisão de centenas de jornalistas, fechado ou assumido o controle de dezenas de veículos de comunicação como forma de minimizar a voz dos opositores. Por aqui o bloqueio é completo. Por lá tem sido intermitente e contra contas/conteúdos pontuais. Fica completamente fora do ar algumas horas e, depois, volta.
Segundo dados da ONG Free Web Turkey citados por Saklıca, ao menos 219.059 URLs tiveram seu acesso bloqueado na Turquia desde o ano passado. Esse número preocupa por ser cinco vezes maior do que o observado em 2022. Mas o checador pontua que a maioria desses bloqueios (197.907) foram aplicados contra domínios completos (os sites noticiosos Voice of America, dos Estados Unidos, e Deustche Welle, da Alemanha, por exemplo, são proibidos por lá). Postagens em redes sociais ou perfis/contas nessas plataformas bloqueadas somam um número bem menor. Chegaram a 6.384 casos em 2023, ou menos de 3% do total. E nem todas elas são no X. YouTube também sofre constantes suspensões na Turquia.
Desde 2022, a Turquia tem uma lei que busca combater a desinformação — e que é comumente mencionada nos pedidos de bloqueio de conteúdo. Saklıca ressalta que ela estipula uma pena de prisão dura: de um a três anos às pessoas que "divulgarem publicamente informações falsas". 
"Mas um dos principais problemas dessa lei é a definição de desinformação. Não há uma metodologia que defina isso, e o que constitui desinformação permanece vago", destaca.
Gulin Çavus, fundadora do site turco Yapay Gündem, que noticia a interseção entre desinformação e inteligência artificial, e ex-membro da International Fact-Checking Network, classifica essa legislação como "um mecanismo de censura frequentemente implementado" contra contas, perfis e conteúdos específicos, sempre apontados por um órgão do governo responsável por controlar a comunicação nacional (BTK, na sigla turca). O curioso, destaca Çavus, é que, diferentemente do que ocorre no Brasil, o X de Musk cumpria sem questionar os pedidos feitos pelo governo Erdogan. 
"Muitas contas que as autoridades políticas desaprovavam foram bloqueadas várias vezes aqui com o conhecimento do Twitter. De acordo com o relatório de 2020 da própria plataforma, a Turquia foi um dos países que mais solicitou restrições de contas", destaca Çavus.
E esse tipo de situação é comum até hoje. Nos últimos dias, por exemplo, um tribunal turco pediu o bloqueio de 82 contas de políticos curdos, além de jornalistas e veículos de comunicação no X. A corte alega "proteção da segurança nacional", mas sua decisão enfrenta críticas locais e também de entidades internacionais. A plataforma, no entanto, não tem posição pública contrária ao judiciário do país -- como ocorre no Brasil agora. Num dos casos, a plataforma chegou a avisar o dono de um perfil que a conta poderia ser bloqueada por ordem judicial, sugerindo que um determinado conteúdo fosse apagado pelo autor.
O exemplo mais poderosos da parceria entre o governo turco e o X no que diz respeito à moderação de conteúdo na Turquia vem dos devastadores terremotos de 6 de fevereiro de 2023, que deixaram dezenas de milhares de mortos. Após os terremotos, conta a jornalista turca, o acesso ao Twitter foi completamente bloqueado para evitar a disseminação de desinformação e incitação ao pânico público. Erdogan pediu e Musk concordou. O empresário chegou a afirmar na época que se reuniria com frequência com as autoridades turcas para entender suas razões e levar adiante a moderação de conteúdo.
Já no Brasil, como se sabe (leia explicador da Lupa aqui), Musk acusa o Supremo de promover censura e se recusou a moderar conteúdos apontados como criminosos pela corte, que utiliza o mesmo argumento da desinformação em muitos dos seus pedidos. 
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Ítalo Rômany
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