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Vídeo engana ao alegar que Flávio Dino segue regras de Lenin; decálogo é falso
13.09.2024 - 10h30
Porto Alegre - RS
Post nas redes sociais mostra trecho de uma entrevista do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, onde ele diz que segue o que Lenin recomendava. O vídeo, então, mostra o que seria o Decálogo de Vladimir Lenin, um compilado de mandamentos que os comunistas deveriam seguir, o que inclui corromper a juventude, controlar os veículos de comunicação, promover distúrbios, infiltrar parlamentares em outros partidos, entre outros. É falso.
Por meio do ​projeto de verificação de notícias​, usuários do Facebook solicitaram que esse material fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação da Lupa​:
O Decálogo, Vladimir Lenin
1. CORROMPA a juventude e dê-lhe liberdade sexual;
2. Infiltre e, depois controle todos os VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO em massa;
3. DIVIDA a população em grupos antagônicos, incitando-os a discussões sobre assuntos sociais;
4. Destrua a CONFIANÇA do povo em seus líderes;
5. Fale sempre sobre DEMOCRACIA e em ESTADO DE DIREITO, mas, tão logo haja oportunidade, assuma o PODER sem nenhum escrúpulo;
6. Colabore para o ESBANJAMENTO do dinheiro público; coloque em descrédito a IMAGEM DO PAÍS, especialmente no Exterior e provoque o pânico e o DESASSOSSEGO na população;
7. Promova GREVES, mesmo ilegais, nas indústrias vitais do país.
8. Promova DISTÚRBIOS e contribua para que as autoridades constituídas, não as coíbam;
9. Contribua para a derrocada dos VALORES MORAIS, da honestidade e da crença nas promessas dos governantes. Nossos PARLAMENTARES INFILTRADOS nos partidos democráticos devem acusar os não comunistas, obrigando-os, sem pena de expô-los ao ridículo a votar somente no que for de INTERESSE DA CAUSA.
10. Procure catalogar todos aqueles que possuam ARMAS DE FOGO, para que elas sejam CONFISCADAS no momento oportuno, tornando impossível qualquer resistência à causa."
– Texto em vídeo que circula nas redes sociais
Falso
Uma busca reversa pelas imagens indicou que a entrevista de Flávio Dino ocorreu em 15 de abril de 2015, no programa Espaço Público, da TV Brasil, quando ele atuava como governador do Maranhão pelo PCdoB. Aos 27min53s, quando foi questionado sobre como a agenda comunista pode atender algumas demandas da população sob a ótica do capitalismo, Dino explica que é preciso ser coerente.
“Em primeiro lugar, é preciso você ser coerente. E eu sou uma pessoa coerente com meus princípios, com meus valores e com as minhas ideias. Em segundo lugar, obviamente, como um socialista, comunista, marxista, eu faço aquilo que Lenin recomendava: análise concreta da situação concreta”, disse Dino para, em seguida, explicar que defende os interesses da população pobre ao mesmo tempo em que lida com as demandas do mercado.
A resposta completa de Dino não é apresentada no vídeo. Além disso, ele não faz nenhuma menção às ideias do suposto decálogo. Já a frase que Dino atribui ao revolucionário russo foi, de fato, dita por Lenin e está documentada no Jornal da Internacional Comunista para os países do Sudeste Europeu, de 1920. 
O decálogo presente no post, entretanto, é falsamente atribuído a Lenin. Não há nenhuma obra referente ao texto em sua bibliografia oficial. Além disso, pesquisadores apontam que os tais mandamentos são uma fraude reproduzida pela extrema-direita, pelo menos, desde a década de 1940.
O historiador Paul F. Boller Jr. e o cientista político John George Jr. publicaram, em 1989, o livro "They never said it: a Book of Fake Quotes, Misquotes, and Misleading Attributions (Eles nunca disseram isso: um livro com citações falsas, errôneas e enganosas), no qual apontam que a lista é uma fraude que, supostamente, teria origem no "quartel-general comunista secreto" em Düsseldorf, na Alemanha, após a 1ª Guerra Mundial, e que teria chegado até dois oficiais da inteligência militar aliada. Porém, estranhamente, o documento só seria publicado em fevereiro de 1946 em uma revista britânica e republicado nas décadas seguintes, sobretudo, por porta-vozes da extrema-direita (página 142). 
“Uma busca cuidadosa nos arquivos do FBI, da CIA, do Subcomitê de Segurança Interna do Senado e da Biblioteca do Congresso não encontrou nenhum vestígio das "Regras". O falecido diretor do FBI J. Edgar Hoover declarou que se poderia "especular logicamente que o documento é espúrio". No entanto, ele continuou a ser citado como uma autoridade nos anos 1980”, diz trecho do livro (página 143).
Em 1970, o jornal The New York Times noticiou que as “Regras comunistas para a revolução” eram uma farsa que circula por um quarto de século, reproduzida por publicações de direita, anúncios em jornais de cidades pequenas e revistas de lobby de armas. A reportagem também destaca que essa “parece ser uma das fraudes mais duradouras e populares entre organizações de extrema-direita e anticomunistas”.
A Lupa questionou a professora Nikelen Witter, docente do curso de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) se as frases do decálogo podem ser atribuídas a Lenin e se as ideias do texto estão em consonância com o pensamento do revolucionário russo. A resposta foi não para ambas as questões.
"Não há qualquer registro de um documento que use esses termos em nenhum arquivo dos aliados (da 2ª Guerra Mundial, no caso Grã-Bretanha ou Estados Unidos). Se for feita uma análise textual do tal "decálogo" sequer este se parece com a escrita de Lênin", disse Witter, que ministra a disciplina História Contemporânea.
A professora ainda salienta que os termos usados no decálogo em nada se assemelham aos escritos de qualquer autor "comunista" ou "socialista" do início do século XX. “Parece mais um adendo com o fantasma comunista que a extrema-direita brasileira gosta de requentar”, disse Witter.

Quem foi?

Vladimir Lenin (1870-1924) foi um revolucionário marxista, político e teórico comunista russo, conhecido por ser o líder da Revolução Russa de 1917 e o principal fundador da União Soviética. Nascido Vladimir Ilyich Ulyanov, ele adotou o pseudônimo Lenin e se tornou uma figura central no movimento bolchevique, que defendia a tomada do poder pelo proletariado por meio de uma revolução.
Esse conteúdo também foi verificado por AFP Checamos, Uol Confere, Snopes e Estadão Verifica.

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Catiane Pereira
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