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'Cadeirada' de Datena reacende fakes e vira até propaganda eleitoral paga de candidatos
O momento em que o candidato José Luiz Datena (PSDB) agride Pablo Marçal (PRTB) com uma cadeira, durante debate promovido pela TV Cultura na noite deste domingo (15), gerou uma série de reações nas redes sociais. O episódio rapidamente virou meme, com muitos perfis zombando do quadro clínico de Marçal no hospital e chamando o incidente de "fakeada 2.0"  — em alusão a teorias conspiratórias que afirmam que a facada recebida pelo então candidato Jair bolsonaro, nas eleições de 2018, foi uma farsa. 
Dados da Palver mostram que, entre as 23h do domingo e as 11h desta segunda-feira (16), mais de 350 conteúdos – especialmente vídeos – circularam em pelo menos 140 grupos públicos de WhatsApp e Telegram, impactando cerca de 800 mil pessoas com mensagens que foram consideradas neutras ou negativas. O levantamento foi produzido pela Ebulição, newsletter da Lupa com informações exclusivas sobre conteúdos político-eleitorais que estão viralizando no WhatsApp e Telegram. 
O assunto também gerou mote para candidatos de outras localidades impulsionarem suas candidaturas com anúncios nas redes sociais da Meta. Dentre as publicações, há ironias com materiais de campanha que satirizam a situação para aproveitar a popularidade do assunto e 'lacrar' em cima. É o caso, por exemplo, de um candidato a vereador da cidade de Caucaia (CE), que publicou um vídeo em que, seguindo uma tendência viral da internet, aproveita a cena da agressão para fazer propaganda da própria candidatura como se fosse ele o agredido. Em outra publicação, um candidato a vereador que se autodenomina "embaixador carioca do Marçal no Rio" usa o episódio para fazer críticas à esquerda. "É isso que a esquerda faz: quando falta argumento, recorre à agressão". 
Os anúncios pagos somam um alcance de público estimado entre 100 e 500 mil usuários. De acordo com as regras da justiça eleitoral, o impulsionamento de conteúdo na internet somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidatura própria. 
Para além da zoação, o episódio da agressão tem repercutido nas redes e em aplicativos de mensagens com desconfianças em relação à 'gravidade' do quadro clínico de Pablo Marçal. O candidato chegou a publicar um vídeo em que aparece em uma ambulância ao som de sirenes respirando ofegante. "Gosto dele. Mais todos percebem que esse drama é mentira. Como um ironman como ele diz, que pedala 360 km, nada 8 km e corre 84 km está todo quebrado por causa de uma cadeiradazinha daquela. Esse caminho não é legal Marçal, caminho da mentira", diz um dos comentários na publicação. "Ué, apos a cadeirada a Pabla estava furiosa, dando chilique, tentando ir pra cima revidar, e de repente ta na ambulância as pressas pro hospital com máscara de oxigênio", postou outro. 
Para o professor Julian Borba, do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o problema da violência política explícita no debate é que o Brasil já vive um ambiente tão polarizado e dividido que o episódio violento passa ser normalizado — e aí não só no contexto político, mas em todas as relações, desde amizades até com a vizinhança.  
É evidente que, no caso do Marçal, os episódios em que ele fala da carteira de trabalho do Guilherme Boulos, do suicídio do pai da Tabata Amaral e as provocações contra Datena me parecem parte da estratégia de construção da visibilidade dele
– Professor Julian Borba, do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
As consequências desse tipo de estratégia — como a reação de Datena, por exemplo — contudo, são, na avaliação do professor, as piores possíveis para a democracia. “Porque de alguma maneira reflete algo que está presente no jogo político: a naturalização da violência como forma de resolução dos conflitos políticos. Tudo isso ajuda a consolidar um ambiente de intolerância”, diz o professor.

Violência reacende 'fakeada'

Entre os conteúdos que circularam no WhatsApp e Telegram, um deles relembra, por exemplo, a cena da bolinha de papel que atingiu o então candidato à Presidência José Serra (PSDB), nas eleições de 2010. O tucano tinha sido alvejado por uma bolinha de papel e depois por um rolo de adesivos, durante comício no Rio de Janeiro. À época, o candidato virou chacota por ter transformado o episódio em um drama. Serra chegou a cancelar agenda para fazer exames, mas não houve nada de grave. "Pablo Marcal com uma costela fraturada por uma cadeirada nos braços/José Serra com traumatismo craniano por uma bolinha de papel, os 2 a 80 km/h, quem vence?", diz uma das publicações.
O hospital Sírio-Libânes publicou boletim em que afirma que Pablo Marçal deu entrada na unidade após traumatismo na região do tórax à direita e no punho direito, "sem maiores complicações associadas". O candidato foi avaliado pelas equipes de clínica médica e de ortopedia e já recebeu alta hospitalar. Nas redes, Pablo Marçal apareceu em um vídeo usando uma pulseira verde no hospital. A cor indica que seu caso foi considerado de baixo risco. 
A cena da agressão também viralizou nas redes, lembrando o episódio do atentado que o ex-presidente Jair Bolsonaro sofreu em Juiz de Fora (MG), nas eleições de 2018. O próprio Marçal comparou a situação, lembrando a tentativa de assassinato contra o ex-presidente Donald Trump, em julho deste ano. De acordo com a newsletter Ebulição, pelo menos 213 mil pessoas receberam em seus apps associações entre a cadeirada de Marçal, a facada de Bolsonaro e as tentativas de assassinado de Trump (uma delas justamente neste domingo na Flórida). 
Dentre as mensagens apócrifas, há uma que afirma que a esquerda foi responsável por matar mais de seis candidatos nessas eleições — sem apresentar qualquer tipo de prova. "A esquerda já matou mais de seis políticos adversário na política de prefeitos em 2024 A esquerda matou o maior adversário político no Equador, a Esquerda matou o maior adversário político do Peru a Esquerda tentou matar seu maior adversário político nos Estados Unidos duas vezes a esquerda mandou prender todos os seus adversários políticos na Venezuela a Esquerda tentou matar Bolsonaro no Brasil com uma facada a Esquerda tentou matar Pablo Marçal ao vivo com a cadeirada na cabeça. A esquerda é descontrolada, agressiva, fala em democracia mas na prática só resolve na violencia". 
O tema reacendeu a circulação de teorias conspiratórias sobre a facada de Bolsonaro. Os comentários se dividem entre afirmações sobre o atentado ser uma farsa e sobre Adélio Bispo ter sido pago para assassinar o ex-presidente. Vale lembrar que os dois inquéritos concluídos pela Polícia Federal indicaram que Bispo agiu sozinho, sem ter recebido ordens de ninguém
"Ele tá valorizando a cadeirada igual a Bolsonaro. Valorizou a facada. Só que Bolsonaro, aquela facada foi tudo premeditado, né? Tudo armação. Esse aí levou a cadeirada mesmo, mas lá na hora ele não tava em pé, agora tá deitado no hospital?", diz um áudio publicado em um grupo do WhatsApp. "Esse jogo é bem pensado...a eleição de São Paulo já é de dimensões nacionais e pode se tornar internacional. todo.jogo da esquerda é eliminar o concorrente... observe as eleições do passado. Avião caiu, facada e etc. O jogo do Poder pelo Poder. QUEM MANDOU MATAR BOLSONARO? QUEM BATEU PONTO NO CONGRESSO PELO ADÉLIO? Precisamos saber de tudo isso e tem muito mais, não mensiono por medo de falar demais....". 
Post associa quadro clínico de Marçal a teorias conspiratórias sobre facada de Bolsonaro.

Efeito Tiririca e a cultura da lacração renovada na campanha de 2024

A espetacularização e o personalismo não são elementos novos na política brasileira. Na literatura das ciências políticas, pesquisadores apontam há alguns anos para uma tendência do que chamam de ‘americanização’ das campanhas brasileiras, que é quando a discussão de propostas fica de lado para dar lugar ao espetáculo de mau gosto e ataques pessoais entre candidatos — como foi visto ao vivo na TV Cultura e reverberando ao longo de toda a segunda-feira (16) nas redes sociais, em formato de memes ou de cortes de apoiadores e opositores dos envolvidos.
Nesse sentido, a diretora de pesquisa do Instituto Democracia em Xeque, Letícia Capone, pesquisadora da PUC-Rio, chama atenção para a necessidade de se observar o episódio da “cadeirada” e de toda a campanha dos candidatos de São Paulo longitudinalmente. 
“Não vejo essa espetacularização como novidade. Contudo, com as redes sociais a partir de 2010 e com essas plataformas sendo estabelecidas mais pra frente nas campanhas, algumas dinâmicas foram alteradas: o cancelamento, a lacração e o espetáculo. Percebo um aumento disso desde a chegada das campanhas no digital”, avalia Capone. Isso se deve, segundo ela, ao fato de os políticos poderem usar suas redes da forma que bem entenderem, amplificando discursos (nem sempre verdadeiros ou éticos) para a base de apoiadores que angariam ao longo do tempo.
A pesquisadora também lembra do “Efeito Tiririca”, em referência ao humorista que concorreu a uma vaga como deputado federal em 2010 — venceu e foi reeleito para quatro mandatos consecutivos — com o bordão “pior que tá não fica”. Ele foi o deputado mais votado no país naquele ano e buscava representar uma “alternativa” aos mesmos políticos de sempre. 
“Historicamente, temos políticos oriundos do futebol, do entretenimento… Mas o sucesso dessas pessoas vem uma conjunção de fatores, como a apatia política dos cidadãos e a crise na representação que projeta esses outsiders — como o ex-coach Pablo Marçal, por exemplo — como uma suposta solução ao que está posto”, diz a pesquisadora.
Este conteúdo faz parte do projeto Mídia e Democracia, produzido pela Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getulio Vargas (FGV ECMI) e a FGV Direito Rio em parceria com Democracy Reporting International e a Lupa. A iniciativa é financiada pela União Europeia.

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Francisco Amorim
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