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Em São Paulo, PCC vira arma política e mensagens que ligam candidatos ao crime chegam a mais de 600 mil pessoas
Desde 1993 o Brasil convive com o PCC, o Primeiro Comando da Capital, maior organização criminosa do país. Nesses mais de 20 anos, o país viu  como o grupo formado nos presídios de São Paulo conseguiu crescer, avançar por outros estados e orquestrar jornadas de terror, promovendo mega rebeliões e chacinas. Mas nestas eleições municipais, o nome da organização não para de pipocar nas conversas políticas e eleitorais, e isso não tem a ver com debates sobre como conter a criminalidade nas cidades. A sigla vem sendo constantemente usada no fogo cruzado das campanhas. Uma estratégia que já impactou mais de seiscentas mil pessoas. 
Desde 5 de agosto, quando a Lupa começou a acompanhar (de forma sistematizada e anonimizada, via Palver) o que é dito em mais de 80 mil grupos de WhatsApp e Telegram e a publicar a Ebulição — newsletter que mostra o que mais viraliza sobre eleições de Rio de Janeiro e São Paulo — nesses espaços digitais pelo menos 888 mensagens únicas citando o PCC e ao menos um dos candidatos à prefeitura de São Paulo aterrissaram nesses aplicativos. 
Isso significa que, em média, por dia, são produzidos e disseminados em grupos públicos de WhatsApp e Telegram  mais de 22 conteúdos que conectam o grupo criminoso aos políticos que pretendem administrar a maior capital do país. É quase uma mensagem por hora. Segundo a Palver, esse material já pode ter impactado pelo menos 640 mil pessoas desde o início de agosto. O número é maior do que todos os eleitores de uma cidade do porte de Santo André, no ABC Paulista.
Campanhas de todos os lados do espectro político e suas respectivas militâncias têm investido pesado em disseminar postagens, com entrevistas, cortes de vídeos e links, que tentam convencer o eleitor de que outros candidatos na disputa têm algum tipo de elo com o grupo criminoso. O resultado é um imenso e perigoso ruído. A ideia de que muitos dos candidatos são supostamente ligados ao PCC afasta o cidadão do processo democrático. Reduz a confiança no poder do voto e, a médio prazo, impacta nos rumos do país.
Nesse tsunami de mensagens das últimas semanas, há acusações graves, ilações e dados fora de contexto ou desatualizados. 
Até a publicação desta reportagem, absolutamente nenhum dos candidatos aceitos pela Justiça Eleitoral para disputar a prefeitura de São Paulo tinha qualquer conexão direta comprovada com o crime organizado. Mas as mensagens que viralizam nos aplicativos mais famosos do país dizem outras coisas.
As acusações a Marçal
No ranking do número de mensagens que ligam quem disputa a prefeitura paulistana ao PCC, Pablo Marçal (PRTB) é quem aparece em primeiro lugar. Desde 5 de agosto, foram 730 conteúdos únicos em pelo menos 230 grupos públicos que debatem política associando o candidato ao grupo criminoso. Dessas 730 mensagens, pelo menos 10 receberam da Meta (dona do WhatsApp) a seta dupla que indica altos índices de viralização dentro da plataforma.
Nesse universo, há quem questione a origem do dinheiro do ex-coach, quem diga que o "M" que ele faz com os dedos para se promover é, na verdade, um símbolo do PCC e quem distribua links para blogs críticos ao candidato, afirmando que membros de seu partido têm negócios com a organização criminosa. Há também trechos de vídeos (entrevistas ou debates) nos quais tanto Tabata Amaral (PSB) quanto Ricardo Nunes (MDB) acusam Marçal de ser sócio do crime. Tabata foi acionada na Justiça por isso.
Mensagens que circulam em grupos públicos sobre Pablo Marçal (PRTB)
A única informação real que se tem, no entanto, é que o jornal Folha de S.Paulo publicou uma reportagem baseada em áudios em que o presidente do PRTB (partido de Marçal), Alexandre Avalanche, supostamente aparece dizendo a um correligionário que mantém vínculos com integrantes da facção criminosa. Em resposta à Folha, Avalanche disse não reconhecer sua voz no áudio. Em entrevista à GloboNews, Marçal chegou a dizer que se sentia constrangido com a situação. Mas no começo de setembro, apareceu ao lado de Avalanche,  em evento de campanha,  a quem prometeu "lealdade pessoal".
Doação à campanha em 2020 usada contra Boulos
Guilherme Boulos (PSOL) aparece em segundo lugar. Em quase 40 dias, pelo menos 165 mensagens únicas relacionando o psolista ao PCC impactaram 87 grupos públicos de WhatsApp e Telegram – espaços que reúnem ao menos 107 mil pessoas. Boulos enfrenta uma enxurrada de "notícias" de que um membro de sua campanha teria recebido dinheiro de um empresário de ônibus supostamente associado ao PCC. Fato é que, também segundo a Folha, o indivíduo mencionado nessas mensagens atuou na pré-campanha psolista e que a suposta doação, feita em 2020, não seria para Boulos, mas para a candidatura de vereador do próprio indivíduo. Aqui, quem turbina a narrativa é Marina Helena (Novo). Vídeos dela conversando sobre o assunto com o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol ficaram entre os conteúdos mais virais desta semana.
Mensagem que circula em grupos públicos sobre Guilherme Boulos (PSOL)
Para fechar a lista de candidatos embrenhados em mensagens que citam o PCC, também aparece José Luiz Datena, do PSDB. Trechos do momento em que ele deixou o púlpito do debate organizado pela TV Gazeta e o canal MyNews, no dia 1o deste mês, supostamente para ameaçar Marçal, circulam pelos aplicativos com frases lembrando que, como âncora de TV, Datena sempre atacou o crime organizado. Seria, aos olhos de seus apoiadores, um homem idôneo.
Conversa chega a outros estados
As conversas ligando o PCC aos candidatos de São Paulo se espalharam pelo Brasil. Mapa feito a partir dos DDDs usados para falar desse assunto em grupos públicos de WhatsApp mostra a nacionalização da conversa. Nenhum dos estados – nem o Distrito Federal – ignorou a forma como a política paulistana tem feito propaganda se aproximando ou se afastando do maior grupo criminoso do país. 
Mapa gerado pela Palver indica que poucos DDDs do país não falaram do PCC e de ao menos um candidato a prefeito de São Paulo desde 5 de agosto
Também chama atenção o emprego de uma das técnicas mais utilizadas em todo o mundo para disseminar notícias falsas: a amplificação do medo  (ou fear mongering, em inglês). Alguns se lembrarão da atriz Regina Duarte compartilhando seu receio ante uma possível vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na campanha presidencial de 2002. Agora o que viraliza são frases sugerindo que o PCC pode chegar ao poder, que o PCC vai mandar em São Paulo e/ou que o crime organizado deu mais um passo para controlar o país. Se em 2002 muito se debateu a presença do medo no horário eleitoral, em 2024 pouco se fala sobre como ele tem alcançado eleitores em seus celulares.
Esta reportagem foi originalmente publicada na edição premium da newsletter do Canal Meio no dia 14 de setembro de 2024, como parte de uma parceria selada pela Lupa com essa organização. 

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Ítalo Rômany
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