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Candidatos propagam ataques e desinformação antivacina em anúncios ilegais na Meta
20.09.2024 - 16h03
João Pessoa - PB
Em nome de uma suposta 'liberdade' de escolha, candidatos de diversas regiões do país têm impulsionado, no Facebook e Instagram, conteúdos que se opõem à obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19 em crianças, disseminando informações falsas de que a imunização seria prejudicial à saúde. 
Vale lembrar que esse tipo de anúncio é proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A resolução nº 23.732, de 27 de fevereiro de 2024 afirma que é vedado o impulsionamento de conteúdos que difundam "dados falsos, notícias fraudulentas ou fatos notoriamente inverídicos ou gravemente descontextualizados, ainda que benéficas à usuária ou a usuário responsável pelo impulsionamento". 
A resolução do TSE reforça que as bigh techs, como a Meta, serão responsabilizadas caso não retirem do ar, imediatamente, posts com desinformação, discurso de ódio, ideologia nazista e fascista, além de conteúdos antidemocráticos, racistas e homofóbicos. Candidatos, por sua vez, poderão receber multa, perder o registro ou ter o mandato cassado.
Uma busca da Lupa identificou, até a manhã de sexta-feira (20), anúncios que violam as regras do TSE, e que, somados, têm um alcance estimado de mais de 600 mil usuários. 
O candidato a vereador Douglas França da Silva, da cidade de Gaspar (SC), impulsionou um anúncio com alcance estimado em 100 mil usuários, no qual se posiciona contra a obrigatoriedade da vacina para Covid-19 em crianças. No vídeo disseminado na propaganda, Silva cita mentiras, afirmando que órgãos internacionais teriam constatado que a imunização "causa mal à saúde de crianças que foram vacinadas". "Alguns pais estão sendo notificados por não vacinarem seus filhos de seis meses a cinco anos. Que está sendo imposta de forma obrigatória agora pelo governo. O Ministério Público está notificando pais. Vacina constatada por diversos órgãos internacionais que causa mal à saúde de crianças, ja foi constatada que ocorreu diversas reações em pessoas que tomaram essa vacina", afirma o candidato a vereador no anúncio. 
Ao contrário do que afirma o candidato, a vacinação contra a Covid-19 em crianças é eficaz. Os benefícios do imunizante superam os riscos, que são classificados como muito baixos. Órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde apontam que é bem mais perigoso contrair a doença. Estudos científicos também mostram que a vacinação reduziu o risco de hospitalização associada à Covid-19 entre crianças.
Segundo a Anvisa, em nota encaminhada à Lupa, todas as vacinas para Covid com indicação aprovada para o público infantil permanecem válidas e "com relação bastante positiva de benefício-risco, sendo fundamentais para controle da Covid neste público".
O Ministério da Saúde também informa que todos os imunizantes voltados para esse grupo são seguros. "As vacinas são seguras, testadas, aprovadas e salvam vidas. Elas ajudam a impedir casos graves e mortes pela doença nas crianças e novas ondas de transmissões, sobretudo pelo surgimento de variantes", afirmou o diretor do Departamento de Imunização e Doenças Imunopreveníveis do Ministério da Saúde, Eder Gatti, em texto publicado no site da pasta.
Um estudo publicado em 2022 pelo The New England Journal of Medicine mostrou que a vacinação reduziu em dois terços o risco de hospitalização associada à variante ômicron entre crianças de 5 a 11 anos. "Embora duas doses tenham proporcionado menor proteção contra hospitalização associada à variante ômicron do que contra hospitalização associada à variante delta entre adolescentes de 12 a 18 anos, a vacinação preveniu doenças graves causadas por qualquer uma das variantes", diz trecho do texto.
Além de ataques a vacinas, o candidato a vereador Alberto Barreto, de Taubaté (SP), impulsionou um vídeo com alcance estimado de até 500 mil usuários em que, entre outras inverdades, criticou as medidas sanitárias adotadas durante a pandemia, como o isolamento social e o uso de máscaras. "Quantas pessoas perderam seus empregos [...], quantas pessoas morreram por causa disso, usando máscaras indevidamente, tomando vacina três, quatro, cinco doses", afirma Barreto no conteúdo desinformativo. 
Em 5 de março de 2021, o CDC publicou uma pesquisa indicando que o uso de máscara e a restrição de refeições em bares e restaurantes auxiliaram a diminuir a transmissão da Covid-19 nos primeiros 20 dias de implementação, reduzindo as taxas de crescimento de casos e de mortes. A instituição destacou, ainda, que essas medidas foram cada vez mais importantes devido ao surgimento de variantes do novo coronavírus em diversos países.
Outro estudo, divulgado em fevereiro de 2021 pelo CDC, afirmava que o uso de duas máscaras – uma de pano sobreposta a uma cirúrgica – reduzia em 95% a exposição aos aerossóis, pequenas partículas respiratórias que podem conter o vírus.
Estudos publicados em diversas revistas científicas também mostraram a importância das medidas de lockdown e isolamento social na contenção da pandemia da Covid-19. A partir de projeções matemáticas, pesquisadores dos Estados Unidos e do Reino Unido concluíram que as políticas de isolamento implementadas em diferentes países do mundo salvaram milhões de vidas. 
Foto: Vinícius de Melo / Agência Brasília
Uma pesquisa publicada na Nature, feita pelo Imperial College London, no Reino Unido, avaliou o impacto das chamadas intervenções não-farmacêuticas (como lockdown, distanciamento social e isolamento, entre outros) em 11 países europeus (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Itália, Noruega, Reino Unido, Suécia e Suíça) entre o início da pandemia e o dia 4 de maio de 2020, quando os bloqueios começaram a ser flexibilizados. 
Eles calcularam, inicialmente, a taxa estimada de mortes e contaminados para os meses seguintes, caso não fossem adotadas medidas de isolamento. Depois, avaliaram o número efetivo de mortos registrado e compararam ao modelo sem restrições. Descobriram que cerca de 3,1 milhões de mortes foram evitadas nos países que adotaram estratégias de distanciamento social.
No Brasil, um estudo realizado por professores do Programa de Economia Regional e Desenvolvimento da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGER/ICSA/UFRRJ) mostrou que o isolamento social pode ter poupado 118 mil vidas somente em maio de 2020. Outro estudo, publicado em julho de 2020 na revista Science, revelou que as medidas de contenção reduziram a taxa de transmissão de 3 para 1,6 infectados por pessoa no país. 
Para a pesquisadora Yasmin Curzi, do Karsh Institute of Democracy da University of Virginia, as candidaturas dos vereadores ferem as normas do TSE por disseminarem conteúdos falsos e a Meta pode ser considerada responsável solidariamente. "A empresa está incorrendo em ilegalidade também ao permitir que esse conteúdo circule. Ela precisa retirar imediatamente a circulação desse tipo de conteúdo". Entretanto, conforme o Marco Civil da Internet, a plataforma precisa ter ciência de que esse conteúdo existe no seu espaço e está sendo veiculado ali no seu ambiente. "A resolução do TSE tentou ali forçar uma mudança no regime do marco civil da Internet no sentido de tentar fazer com que as plataformas tenham ali mecanismos mais sólidos de remoção anterior à notificação judicial, mas ela [a resolução] não pode ser lida fora do nosso ordenamento jurídico vigente", reforça.
Já o candidato a vereador Thiago Xavier Kozak, da cidade de Cascavel (PR), impulsionou um conteúdo com alcance estimado em 5 mil usuários defendendo o cumprimento da Lei estadual nº 21.015/2022 sobre proibição da exigência da vacina da Covid no Paraná. "Minha posição é bem clara. Eu sou defensor da família, e defenderei o seu direito de cuidar dos seus filhos de acordo com a lei. Se você pensa dessa forma, peço o seu voto". 
A lei, sancionada pelo governador Ratinho Junior (PSD) em abril de 2022, proíbe a exigência do comprovante de vacinação para contratação, obtenção ou manutenção de trabalho, emprego ou cargo, tanto no setor público quanto no privado. Também proíbe a exigência de comprovante para obtenção de documentos e inscrições em concursos, matrícula em escolas, universidades e instituições de ensino. À época, deputados da oposição apresentaram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) contra a medida. 
O posicionamento do candidato vai contra o entendimento da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, que reforça a inclusão da vacina contra a Covid-19 no Calendário Básico de Vacinação para crianças de seis meses a menores de cinco anos de idade e a obrigatoriedade da imunização neste público.
Outro lado
Os candidatos citados foram procurados por meio de mensagem nas redes sociais, mas não houve retorno. Até o fechamento desta reportagem, a Meta tampouco respondeu. 

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