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Lupa
Na ONU, Lula exagera sobre fome e papel do Brasil na guerra da Ucrânia
24.09.2024 - 14h22
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu a 79ª  Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova York, como cabe ao Brasil desde 1955, com a posição de orador inaugural. A crise climática e seus efeitos danosos ao redor do mundo, bem como o atraso na mitigação de suas consequências, estiveram no centro de sua fala. 
No entanto, o presidente citou, sem o devido contexto, dados sobre o combate ao desmatamento na Amazônia, utilizando o percentual de alertas do indicador, mas sem apresentar o resultado consolidado. 
Lula foi enfático ao tratar dos atuais conflitos globais, destacando o crescimento dos recursos destinados a arsenais nucleares e gastos militares. Contudo, exagerou ao afirmar que o Brasil “condenou de maneira firme” a invasão do território ucraniano pela Rússia. Lula também exagerou ao falar do fim da fome no Brasil. 
A Lupa checou algumas das declarações do presidente. A assessoria de imprensa do Planalto foi procurada, e a checagem será atualizada em caso de resposta. 
O Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano.
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024
Exagerado
O presidente Lula, em diversas vezes, fez um discurso ambivalente em relação à guerra entre a Rússia e a Ucrânia, defendendo que "os dois lados" tinham culpa no conflito. Em nível internacional, o petista foi criticado por Estados Unidos e União Europeia por não ter uma postura mais firme contra a Rússia. "Eu penso que a construção da guerra foi mais fácil do que será a saída da guerra. Porque a decisão da guerra foi tomada por 2 países [Rússia e Ucrânia]", lembrou o presidente, em abril de 2023. A avaliação de Lula desconsidera que foi a Rússia que tomou a 1ª atitude bélica em 24 de fevereiro de 2022, quando seu exército invadiu e bombardeou regiões soberanas da Ucrânia. A partir dessa atitude russa, os ucranianos revidaram e o conflito escalou. 
Ainda em abril do ano passado, Lula chegou a sugerir que a Ucrânia cedesse o território da Crimeia para a Rússia. "Putin não pode ficar com o terreno da Ucrânia. Talvez se discuta a Crimeia. Mas o que ele invadiu de novo, tem que se repensar. O [presidente da Ucrânia, Volodymyr] Zelensky não pode querer tudo. A Otan não vai poder se estabelecer na fronteira [com a Rússia]". 
Em outros momentos, o presidente Lula equiparou a responsabilidade dos dois países na invasão ao território ucraniano, afirmando que Putin e Zelensky “estão gostando da guerra”. "A guerra é feita por duas nações, ou seja, se você quiser ir contra a paz, você tem que colocar os dois numa mesa de negociação. Mas [se] você coloca só um lado, você não quer paz", disse o presidente, em junho deste ano. Em entrevista publicada em maio de 2022 pela revista Time, o petista disse que o presidente ucraniano “era tão culpado quanto Putin pela guerra”. 
Em resposta enviada à Lupa, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (SECOM) afirmou que o governo brasileiro tem reiterado, de forma clara e inequívoca, sua condenação à invasão russa do território ucraniano na Organização das Nações Unidas e em outros foros multilaterais, inclusive no BRICS. “O Brasil votou a favor da resolução da Assembleia Geral da ONU sobre a integridade territorial da Ucrânia, aprovada em outubro de 2022, e da resolução sobre paz duradoura e fim dos conflitos, aprovada em fevereiro de 2023”. A Secom ressaltou ainda que o governo brasileiro tem buscado contribuir para uma solução pacífica do conflito e que “mantém canais abertos de diálogo com os governos da Ucrânia e da Rússia”.

Mais de 90 bilhões de dólares foram mobilizados com arsenais nucleares
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024
Verdadeiro
De acordo com o último relatório anual "Gastos Globais com Armas Nucleares em 2023", realizado pela Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (ICAN), os países com armas nucleares - Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, China, Paquistão, Coreia do Norte e Israel -  gastaram U$91,3 bilhões em seus arsenais. O que representa um aumento de 13,4% em comparação a 2022

Os gastos militares globais cresceram pelo nono ano consecutivo e atingiram 2,4 trilhões de dólares
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024
Verdadeiro
Em 2023, os gastos militares globais totalizaram US$ 2.443 trilhões em 2023, um aumento de 6,8% em comparação com 2022. Este foi o maior crescimento anual desde 2009, segundo dados divulgados pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), organização internacional independente focada em pesquisa sobre conflitos, armamentos, controle de armas e desarmamento.
O relatório também revela que os gastos militares mundiais subiram pelo nono ano consecutivo. Os gastos aumentaram em todo o mundo, mas os aumentos mais significativos foram na Europa, no Oriente Médio e na Ásia. Os 10 países com maiores gastos militares — liderados pelos Estados Unidos, China e Rússia —, ampliaram significativamente suas despesas militares.

Reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% no último ano
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024
Falta contexto
O presidente Lula faz menção em sua fala sobre os alertas de desmatamento, disponibilizados pelo sistema Deter-B, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). De agosto de 2023 a abril de 2024, foram registrados 2.686 km² na Amazônia Legal, uma redução de 55% em relação ao mesmo período do ano anterior — de 5.976 km².
O Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), criado pelo Inpe em 2004, acompanha de forma mais rápida o desmatamento na Amazônia. Funciona como uma espécie de monitoramento de alerta para ajudar na fiscalização e controle do desmatamento e da degradação florestal na região. Esses dados são enviados diariamente ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 
Segundo o Inpe, o Deter captura apenas parte das alterações ocorridas, devido à menor resolução das imagens e dos sensores utilizados e as restrições de cobertura de nuvens. Assim, os dados divulgados podem incluir processos de desmatamento ocorridos em períodos anteriores ao do mês de mapeamento, já que pode haver alguma detecção de corte que não foi identificada antes. Por isso, as informações nem sempre são fieis. 
Se levarmos em consideração a taxa consolidada de desmatamento para os nove estados da Amazônia Legal em 2023, referente ao período de agosto de 2022 a julho de 2023, ela foi de 9 mil km², segundo dados do sistema Prodes. O número representa queda de 21,8% em relação à taxa de 2022, de agosto de 2021 e julho de 2022 (11,5 mil km²). Esses dados são do Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (projeto Prodes), divulgados em maio deste ano.
Realizado por meio de monitoramento de satélites, o Prodes avalia as taxas anuais de desmatamento por corte raso (retirada completa da floresta nativa) na Amazônia Legal. Criado em 1988 pelo Inpe, o sistema é um dos principais indicadores usados em ações e planejamento de políticas públicas na região, pois capta imagens de maior resolução que outros monitoramentos.

90% da nossa eletricidade provém de fontes renováveis como a biomassa, a hidrelétrica, a solar e a eólica
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024
Verdadeiro
De acordo com boletim publicado em maio deste ano pelo Ministério de Minas e Energia, a participação de fontes renováveis de energia elétrica no país representou 89,2% em 2023 — próximo ao número citado por Lula. 

Esse é o compromisso mais urgente do meu governo, acabar com a fome no Brasil, como fizemos em 2014
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024 
Exagerado
Em 2014, relatório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) indicou que o Brasil tinha saído do Mapa da Fome. Isso não significa, contudo, que a fome tinha sido 100% erradicada. Embora o país tenha reduzido o número de pessoas com insegurança alimentar, o relatório mostrou que a quantidade de brasileiros na situação de desnutridos tinha saído de 19 milhões em 2002 para 3,4 milhões em 2013 (página 4).
Levando em consideração a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), com dados de 2023, o país apresentava 4,2 milhões de domicílios com insegurança alimentar moderada e outros 3,2 milhões com insegurança alimentar grave — ou seja, em estado de fome. O Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (SOFI 2024), por sua vez, mostra que a insegurança alimentar severa no Brasil caiu de 8,5%, no triênio 2020-2022, para 6,6%, no período 2021-2023 — correspondendo a uma redução de 18,3 milhões para 14,3 milhões de brasileiros nesse grau de insegurança alimentar (página 207).
Em resposta à Lupa, a Secom destacou que o contexto da fala do presidente se refere ao resultado alcançado em 2014, quando o país saiu do “Mapa da Fome”. A pasta informou que, segundo o SOFI 2024, a fome no Brasil caiu 85% em 2023. “Em números absolutos, 14,7 milhões deixaram de passar fome no país”, acrescentou em nota. 

2024 caminha para ser o ano mais quente da história moderna
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024
Verdadeiro
O observatório do clima da União Europeia divulgou, em agosto deste ano, que é “cada vez mais provável” que 2024 se torne o ano mais quente já registrado. O serviço de alterações climáticas Copernicus (C3S) informou que, segundo seus próprios dados, o dia 22 de julho de 2024 foi o dia mais quente na história recente, com uma temperatura média global de 17,16°C, o que excede os recordes anteriores de 17,09°C, definido apenas um dia antes, em 21 de julho de 2024, e 17,08°C, de 6 de julho de 2023.

São mais de 40 mil vítimas fatais [na Palestina]
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024
Verdadeiro
De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlado pelo Hamas, nesta terça-feira (24), 41.467 pessoas morreram na região desde o início da guerra com Israel, em 7 de outubro de 2023. Os dados incluem pelo menos 12 mortes nas últimas 24 horas. O ministério também informou que 95.921 pessoas foram feridas na Faixa de Gaza até agora. 
Em 15 de agosto, Volker Turk, alto comissário da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, manifestou sua profunda preocupação com a grave situação em Gaza, lamentando especialmente a perda de vidas de mulheres e crianças. A organização pede o cessar-fogo imediato na região, assim como a libertação de reféns e o término da ocupação israelense. Na época, Gaza já registrava 40 mil mortes. 

A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024
Verdadeiro
A Bacia Amazônica enfrenta a pior estiagem dos últimos 45 anos. Neste ano, de acordo com dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, 58% do território nacional já foi afetado pela seca, e cerca de um terço do país enfrenta condições de seca severa. 
Além disso, os focos de incêndio e a seca que afetam o Pantanal e a Amazônia há mais de dois meses são considerados os maiores desde o início da série histórica, iniciada em 1988. Até o dia 22 de setembro, o estado do Amazonas contabilizava 21.289 incêndios desde janeiro, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O recorde anterior, que era de 21.217 focos, foi alcançado em 2022.
Os estados da Amazônia Legal — Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará e Rondônia — concentraram mais de 80% de todos os incêndios registrados no Brasil das últimas 24 horas, de acordo com o Inpe.

2023 ostenta o triste recorde do maior número de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024
Verdadeiro
O relatório Conflict Trends: A Global Overview (Tendências de conflito: uma visão global), 1946 - 2023, produzido pelo Peace Research Institute Oslo (Prio), da Noruega, e divulgado em maio deste ano, aponta que 2023 foi o ano com o maior número de conflitos entre países desde 1946, com um total de 59 conflitos (página 8).
O relatório Contemporary Trends in Militarisation (Tendências Contemporâneas em Militarização), lançado em julho deste ano pelo Institute for Economics & Peace (IEP), informou que 59 conflitos estão ocorrendo no mundo (página 4), um recorde desde o fim da Segunda Guerra Mundial. 

No sul do Brasil, tivemos a maior enchente desde 1941
– Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República, em discurso de abertura da 79ª Assembleia-Geral das Nações Unidas em 24 de setembro de 2024
Verdadeiro
Dados do Governo do Rio Grande do Sul, de 20 de agosto deste ano, mostram que a enchente que ocorreu entre abril e maio afetou 478 municípios e 2,3 milhões de pessoas. Foram confirmadas 183 mortes, 27 desaparecidos e 806 feridos. 
A enchente de 1941, a maior até então, deixou 70 mil pessoas desabrigadas apenas em Porto Alegre. À época, o nível do lago Guaíba chegou a até 4,76 metros. A enchente deste ano foi mais grave, com o Guaíba chegando a 5,3 metros

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Gabriela Soares
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