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A 10 dias do 1º turno, TSE e big techs não conseguem conter irregularidades nas redes
26.09.2024 - 16h00
João Pessoa - PB
Embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tenha implementado medidas mais rigorosas para as plataformas digitais nas eleições deste ano, na prática, diversos candidatos continuam a cometer irregularidades com a conivência das big techs, como Meta e Google. Desde o início da campanha, em agosto, a Lupa identificou conteúdos antivacinas, publicações misóginas, propaganda negativa com termos pejorativos e anúncios ilegais de venda de bonés que projetam candidatos, desequilibrando a disputa eleitoral. 
A menos de 10 dias para o primeiro turno das eleições de 2024, diante da falta de regulação sobre o tema pelo Congresso, a disseminação de publicações ilegais reflete na falta de comprometimento de algumas plataformas em cumprir a resolução do TSE. As brechas têm permitido, por exemplo, que usuários compartilhem conteúdos misóginos, incluindo fotografias falsas de nudez explícita de algumas candidatas, especialmente de Tabata Amaral (PSB), em grupos de WhatsApp e do Telegram. 
Em abril deste ano, a Lupa ouviu especialistas que alertavam sobre a falta de critérios mais transparentes para a remoção de conteúdos enganosos pela Justiça Eleitoral e big techs. À época, a pesquisadora Yasmin Curzi, do Karsh Institute of Democracy da University of Virginia, expressou ceticismo sobre uma possível melhora no monitoramento feito pelas plataformas para o pleito deste ano — principalmente pensando numa eleição local. Em nova entrevista, ela ponderou que um dos entraves é justamente o Marco Civil da Internet.
A resolução do TSE tentou ali forçar uma mudança no regime do Marco Civil da Internet no sentido de tentar fazer com que as plataformas tenham mecanismos mais sólidos de remoção anterior à notificação judicial, mas ela [a resolução] não pode ser lida fora do nosso ordenamento jurídico vigente
– Yasmin Curzi, do Karsh Institute of Democracy da University of Virginia
Apesar das denúncias de posts irregulares, anúncios que violam as regras do TSE continuam a circular livremente nas redes. Em 13 de setembro deste ano, a Lupa denunciou que candidatos estavam impulsionando na biblioteca da Meta, posts antivacinas, o que é proibido pela resolução da Justiça Eleitoral. Um dos anúncios, com alcance estimado em 100 mil usuários, mostrava um candidato que se posicionava contra a obrigatoriedade da vacina para Covid-19 em crianças, afirmando que órgãos internacionais teriam constatado que a imunização "causa mal à saúde de crianças que foram vacinadas". O que é falso.
"Alguns pais estão sendo notificados por não vacinarem seus filhos de seis meses a cinco anos. Que está sendo imposta de forma obrigatória agora pelo governo. O Ministério Público está notificando pais. Vacina constatada por diversos órgãos internacionais que causa mal à saúde de crianças, ja foi constatada que ocorreu diversas reações em pessoas que tomaram essa vacina", afirmou o candidato a vereador na publicação. 
Até a manhã desta quinta-feira (26), 7 dias após a denúncia da Lupa, o anúncio continuava ativo. A resolução do TSE diz claramente que está vedada a utilização, na propaganda eleitoral, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados. 
O TSE foi questionado pela reportagem sobre a circulação de posts que ferem as normas deste ano e sobre dados de pedidos de remoção de conteúdos nas redes sociais. Até o fechamento deste texto, não houve retorno. 

Venda de bonés

Bonés com a letra ‘M’, uma alusão ao bordão “Faz o M” adotado pela campanha do candidato Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo, estão entre os produtos, com referência ao influenciador, mais anunciados nas plataformas da Meta. Em 29 de agosto, a reportagem da Lupa identificou 2,3 mil anúncios mencionando o termo “Pablo Marçal” — nenhum deles proveniente de contas oficiais do candidato. A Lupa analisou pelo menos 700 propagandas de bonés “M de Marçal”, acompanhadas de conteúdos que incitam os usuários a apoiarem ou votarem no influenciador. As mensagens variam de convites a fazer parte de um “movimento de força e superação”, a declarações como  “não vão nos calar” e “você que sonha com uma São Paulo mais inovadora, justa e próspera, junte-se a Marçal”, entre outras. 
A prática é irregular porque viola as regras da Justiça Eleitoral e configura abuso de poder econômico para obter vantagem política. Mesmo com a denúncia, muitos desses posts ainda estão circulando na biblioteca de anúncios da Meta — ao menos 70 posts foram encontrados pela reportagem na tarde de terça-feira (24). 
Posts com venda de bonés de Marçal continuavam ativos na biblioteca da Meta
Além dessa prática, houve o pagamento a seguidores que distribuíam cortes de vídeos de Pablo Marçal nas plataformas. Um dos influenciadores que participou do esquema chegou a publicar, em 21 de agosto de 2024, um comprovante de PIX no valor de R$ 8,5 mil feito por uma empresa de Pablo Marçal, como mostrou reportagem do UOL em 21 de agosto. 
Em 24 de agosto deste ano, o juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1ª Zona Eleitoral, acatou o pedido de investigação eleitoral aberto pelo PSB, partido da candidata Tabata Amaral, e decidiu suspender as redes sociais de Pablo Marçal. A acusação é de abuso de poder econômico e uso indevido de meio de comunicação. "Conste que há documento demonstrando que um dos pagamentos proveio de uma das empresas pertencentes ao requerido Pablo, o que pode configurar uma série de infrações", diz trecho da liminar.  
No entanto, até a tarde de quinta-feira (26), a  comunidade de cortes de vídeos no Discord seguia ativa. 

Uso de inteligência artificial nas campanhas

No TikTok, circulou um vídeo que mostrava uma mensagem do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em apoio ao candidato Pablo Marçal (PRTB). Bolsonaro dizia na gravação que reconhecia o caráter de Marçal e seu compromisso com o Brasil. O vídeo tinha sido manipulado com uso de inteligência artificial (IA). Os movimentos da boca, a entonação e o sotaque da voz no vídeo não correspondem aos de Jair Bolsonaro, como mostrou checagem produzida pela Lupa
A resolução do TSE proíbe o uso de deepfake (manipulação de vídeos, áudios ou fotos) com intuito de enganar os eleitores na campanha e impõe restrição ao uso de inteligência artificial (IA) nas propagandas, que devem incluir um aviso sobre o uso da tecnologia.
Na prática, isso não tem sido respeitado. Dentre os exemplos, o candidato do MDB à Prefeitura de Salvador, Geraldo Júnior, publicou em suas redes uma imagem da capital baiana gerada com uso de IA sem o devido rótulo. "A Salvador do prefeito no seu programa eleitoral", dizia a legenda da publicação, com críticas ao atual prefeito e candidato à reeleição Bruno Reis (União Brasil). 
Pablo Marçal também publicou em suas redes um vídeo utilizando inteligência artificial, mas não sinalizou o uso da ferramenta. Na gravação, uma pessoa não identificada usa o rosto do candidato como se fosse um filtro, e sopra um pó na direção da câmera. "POV: Marçal fazendo bolos", diz a legenda, em referência a acusações que Marçal tem feito reiteradamente, sem apresentar nenhuma prova, de que Guilherme Boulos, do PSOL, usaria cocaína. 
Além disso, está restrito o uso de chatbots (robôs) e avatares para intermediar a comunicação da campanha, proibindo simulações de conversa com o candidato ou qualquer outra pessoa. 
A Meta chegou a banir uma conta no WhatsApp criada pelo programador Pedro Markun, candidato à Câmara Municipal de São Paulo pela Rede. Ele havia criado uma espécie de inteligência artificial legislativa para promover interações diretas e fornecer respostas rápidas sobre questões políticas. "Ao se sobrepor às normas do TSE para o uso do WhatsApp, a Meta não é só mais realista que o rei. Isso demonstra o poder supostamente ilimitado das big techs, que agem sem prestação de contas, mesmo em processos tão fundamentais como uma eleição democrática”, argumentou o candidato. A Meta, por sua vez, afirmou que o chat feria a política do aplicativo "que explicitamente proíbe o uso da Plataforma do WhatsApp Business por políticos ou partidos, candidatos e campanhas políticas". 

Propaganda negativa

De acordo com a Resolução nº 23.732, de 27 de fevereiro de 2024, o impulsionamento de conteúdo em provedor de aplicação de internet somente poderá ser utilizado para promover ou beneficiar candidato, partido ou federação que o contrate. A propaganda negativa é proibida tanto no impulsionamento quanto na priorização paga de conteúdos em aplicações de busca.
A campanha de Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição para a prefeitura de São Paulo, feriu essa norma ao impulsionar na plataforma da Meta trechos do debate promovido pela TV Gazeta em parceria com o MyNews com ataques pessoais contra outros candidatos. "Invasores em São Paulo não se cria", diz uma das legendas de um dos anúncios pagos contra Guilherme Boulos, do PSOL. "Boulos é a favor da liberação das drogas e quer desmilitarizar a polícia. De que lado você está?", diz outro anúncio que destaca um trecho do debate em que Nunes chamou Boulos de 'sem-vergonha'. Após denúncia da Lupa, os posts foram retirados do ar.
O momento em que o candidato José Luiz Datena (PSDB) agrediu Pablo Marçal (PRTB) com uma cadeira durante debate promovido pela TV Cultura em 15 de setembro, também gerou mote para candidatos de outras localidades impulsionarem suas campanhas com anúncios nas redes sociais da Meta.
Algumas publicações ironizam a situação e utilizam materiais de campanha para satirizar o evento, aproveitando a popularidade do assunto e ‘lacrar’ em cima. É o caso, por exemplo, de um candidato a vereador da cidade de Caucaia (CE), que publicou um vídeo em que, seguindo uma tendência viral da internet, aproveita a cena da agressão para fazer propaganda da própria candidatura como se fosse ele o agredido. Em outra publicação, um candidato a vereador que se autodenomina "embaixador carioca do Marçal no Rio" usa o episódio para fazer críticas à esquerda. "É isso que a esquerda faz: quando falta argumento, recorre à agressão", alega o candidato no post. 
A mobilização em torno dos atos de 7 de setembro — com o intuito de demonstrar força diante do 'autoritarismo' e da 'censura' — também foi impulsionada com anúncios pagos no Facebook e no Instagram por candidatos. As publicações faziam ataques à Justiça, ao ministro Alexandre de Moraes e ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). 
Uma candidata à vereadora no município de Ribeirão Preto (SP), em uma publicação com oito anúncios e alcance de até 40 mil usuários, chamou o ministro do STF de "megalomaníaco" e conclamou a população a apoiar Bolsonaro e a exigir a saída de Alexandre de Moraes do STF. "Chega. Estou aqui para conclamar todos vocês para a maior manifestação que o Brasil já viu. [...] Nossos irmãos do 8 de Janeiro continuam presos com penas de até 17 anos, exilados políticos sofrem e até o X está proibido. Essas arbitrariedades vêm de um único ministro autoritário e megalomaníaco. Estamos vivendo sim numa ditadura, ditadura de toga."
A resolução do TSE proíbe qualquer conteúdo de grave ameaça, de violência ou incitação à violência contra a integridade física de membros e servidores da Justiça eleitoral e Ministério Público eleitoral ou contra a infraestrutura física do Poder Judiciário "para restringir ou impedir o exercício dos poderes constitucionais ou a abolição violenta do Estado Democrático de Direito". 

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João Pedro Capobianco
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