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Em 22 anos, Brasil teve 5 milhões de queimadas; São Félix do Xingu, Corumbá e Porto Velho lideram ranking de focos
27.09.2024 - 11h05
Rio de Janeiro - RJ
Focos de incêndio nos arredores de Corumbá-MS. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Imagens de satélite captaram mais de cinco milhões de focos de queimadas no Brasil desde 2003, com metade deles concentrados em três estados: Pará, Mato Grosso e Maranhão. Ao analisar os dados por município, nota-se que cerca de 30 cidades concentram 20% dos casos registrados no país nas últimas duas décadas. Os dados são do Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), analisados pela Lupa nesta reportagem.
Em quase 22 anos de monitoramento – entre janeiro de 2003 e 21 de setembro deste ano, último dia do inverno no hemisfério Sul –, foram registradas, em média, 231,2 mil queimadas por ano no Brasil. Esse número elevado foi impulsionado pelo grande volume de casos nos primeiros anos da série histórica (2003 a 2007), quando o total de focos atingiu ou superou 250 mil. Desde então, os registros anuais têm ficado abaixo da média, com exceção de 2010, quando foram contabilizados 319,4 mil focos. Quatorze anos depois, o indesejável patamar pode ser novamente alcançado, já que,  em apenas nove meses de 2024, já foram contabilizadas 198,1 mil queimadas no país.
Para detectar os focos, o Inpe utiliza satélites com sensores ópticos, que detectam radiação térmica emitida pela superfície da Terra. As imagens enviadas pelos equipamentos em órbita são processadas pela Divisão de Geração de Imagens (DGI) e pela Divisão de Satélites e Sistemas Ambientais (DSA). Os dados tratados podem ser conferidos quase em tempo real no portal BDQueimadas
A série temporal utilizada nesta reportagem foi construída com base em informações atualizadas pelo Inpe de um único "satélite de referência", que captura imagens diárias, permitindo a identificação de padrões e tendências, como a concentração de focos nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Como ilustra o gráfico abaixo. 
“Mesmo indicando uma fração do número real de focos de queimadas e incêndios florestais, por usar o mesmo método de detecção e gerar imagens em horários próximos ao longo dos anos, os resultados do ‘satélite de referência’ permitem analisar as tendências espaciais e temporais dos focos”, explica o Inpe em seu site. Ou seja, o número de focos é ainda maior do que o captado pelo satélite de referência, já que algumas queimadas podem não estar contabilizadas nessa base de dados. 
A série histórica atualmente disponibilizada pelo Inpe é baseada em imagens do satélite de referência AQUA M-T, em operação desde 2003. Antes disso, entre 1998 e 2002, os dados foram coletados pelo satélite NOAA-12, que posteriormente foi aposentado pela Nasa. A desativação do NOAA-12 exigiu que o Inpe construísse uma nova base de dados com base nas imagens captadas pelo AQUA, levando o instituto a desconsiderar as informações obtidas entre 1998 e 2002 como referência e a iniciar uma nova série a partir de 2003. A troca de equipamento causou uma descontinuidade nos dados, inviabilizando comparações de períodos mais longos, já que, entre outros motivos, as imagens passaram a ser coletadas em horários diferentes ao longo do dia.
Apesar da mudança no satélite de referência, a série atual já contava, até o último sábado (21), com informações sobre 5.027.744 focos de queimadas em 7.934 dias de monitoramento. A partir desses dados, é possível constatar que o padrão geográfico das queimadas nas últimas duas décadas se repetiu neste ano, o que pode ser observado ao comparar o gráfico de todo o período (acima) com o gráfico referente aos primeiros 264 dias de 2024 (abaixo).
Além disso, é possível notar que poucos estados, geralmente os mesmos, concentram boa parte dos focos registrados. Dos mais de 5 milhões de focos detectados por imagens de satélite em 22 anos, 18,9% ocorreram no Pará, na região Norte, seguido por Mato Grosso (17,0%) e Maranhão (10,7%), localizados no Centro-Oeste e Nordeste, respectivamente. Dois deles lideram o ranking de queimadas também neste ano: Mato Grosso (21,9%) e Pará (17,7%), acompanhados pelo Amazonas (10,5%) – respondendo por cerca de metade dos registros. 
Alguns estados que enfrentaram severos problemas com a fumaça e a chuva preta neste ano, como São Paulo, Acre e Rio Grande do Sul, não figuram entre os que têm o maior número de queimadas; ocupando a 9ª, 10ª e 17ª posições na lista, respectivamente, essas três unidades federativas somam 7,3% do total de focos deste ano.
Poucas cidades, muitas queimadas
A concentração dos registros de queimadas nessas duas décadas de monitoramento pode ser observada também na dimensão municipal. Ao longo da série temporal, uma única cidade da região Norte, São Félix do Xingu, no Pará, responde por 2,2% de todos os focos documentados pelo Inpe no país. Ela é seguida por Corumbá (MS) com 1,5%, Porto Velho (RO) com 1,4%, Altamira (PA) com 1,4% e Novo Progresso (PA) com 1%. Juntas, essas cinco cidades somam 7,5% de todos os focos registrados desde 2003.
Apesar de quase todos os municípios brasileiros terem registrado ao menos uma queimada desde o início da série histórica – mais precisamente, 5.532 localidades – apenas 31 cidades, com mais de 20 mil focos cada, respondem por 20,3% de todos os casos documentados na base de dados do Instituto. Ao analisar a distribuição dessas cidades pelo território nacional, constata-se que elas estão concentradas em três regiões: 20 cidades na região Norte, sete no Centro-Oeste e quatro no Nordeste. Além disso, metade dos focos ocorreu em apenas 171 municípios.
Em 2024, as três cidades com mais focos de queimadas são as mesmas de anos anteriores, mas com uma participação ainda mais expressiva: São Félix do Xingu (PA), com 3,5%; Corumbá (MS), com 2,8%; e Porto Velho (RO), com 2,4% — a única capital no topo da lista. Elas são seguidas por Altamira (PA), com 2,4%; Novo Progresso (PA), com 2,2%; Colniza (MT), com 1,9%; Lábrea (AM), com 1,5%; Apuí (AM), com 1,4%; Itaituba (PA), com 1,2%; e Cumarú do Norte (PA), também com 1,2%. Juntas, as dez cidades concentram 20% dos focos identificados por imagens do satélite de referência neste ano.
Já durante os 22 anos, apenas quatro cidades se revezam na primeira posição da lista de focos de queimadas, geralmente permanecendo nas posições subsequentes do ranking em outros anos. São Félix do Xingu (PA) esteve no topo da lista 12 vezes, Corumbá (MS) em oito, Altamira (PA) em dois e Porto Velho (RO) apenas em um.
Biomas afetados distintamente
Amazônia e Cerrado são os biomas mais afetados pelas queimadas nas últimas décadas, considerando o número de focos. Entretanto, quando a análise leva em conta a dimensão de cada território, o Pantanal, embora menor, se destaca como o mais impactado, proporcionalmente à sua área, nos últimos dois anos.
O bioma amazônico – o maior do país – anotou metade dos mais de cinco milhões de focos de queimadas identificados pelo satélite de referência do Inpe desde 2003. Foram cerca de 2,5 milhões de registros em duas décadas – uma média anual de 113,3 mil focos. Em seguida vem o Cerrado, com 31% de todos os casos identificados. A média nesse bioma foi de 70,5 mil registros.
Com pouco menos da metade de seu território, o Cerrado tem superado o bioma da região Norte ininterruptamente desde 2010, em termos proporcionais. Neste ano, por exemplo, já foram notificados 3,18 focos a cada 10 mil hectares (100 km²) no Cerrado – segundo maior bioma do país –, contra 2,37 na Amazônia. No ano passado, a taxa foi de 2,49 focos no Cerrado e 2,37 na Amazônia. Em 2010, o bioma da região central do Brasil chegou a atingir a taxa de 6,5 focos, contra 3,2 na Amazônia.
Apesar do grande volume de queimadas nos dois biomas, o Pantanal é o ecossistema que mais registrou focos proporcionalmente à sua área em 2023 e até o momento neste ano. O menor dos biomas brasileiros, com 150.355 km² – bem menos do que os 4,2 milhões de km² da Amazônia – apresentou uma taxa de 4,38 focos por 10 mil hectares no ano passado e 7,37 em 2024, mais do que o dobro dos dois maiores biomas brasileiros.

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