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73% dos prefeitos de capitais eleitos em 2020 não tinham planos para evitar desastres climáticos
01.10.2024 - 12h19
Florianópolis
A maior parte dos prefeitos que se elegeram em 2020 para as 26 capitais brasileiras não reconheciam a emergência climática como uma questão a ser incorporada na gestão municipal. O cenário é mais alarmante quando analisadas as propostas para gerenciar riscos climáticos. Naquele ano, 73,1% dos então candidatos — muitos dos quais hoje tentam a reeleição — não apresentaram em seus programas planos detalhados sobre como evitar ou prevenir perdas humanas e materiais em casos de tragédias provocadas por eventos climáticos extremos.
 
Apesar disso, nos últimos quatro anos, ou seja, no período em que esses políticos foram responsáveis pela gestão municipal, 88,5% das capitais do país registraram três ou mais episódios de enchentes ou alagamentos. 
Os dados são de um levantamento feito pela Lupa dos programas de governo apresentados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelos candidatos que venceram as eleições municipais de 2020 nas 26 capitais do país. A avaliação foi feita a partir de duas grandes áreas: emergência climática e gerenciamento de desastres. Em cada um desses pontos, a reportagem analisou: 
Emergência Climática
  1. O programa reconhece a emergência climática como uma questão a ser incorporada na gestão?
  2. O programa apresenta alguma proposta detalhada sobre como fazer isso? 
Gerenciamento de Riscos
  1. O plano de governo apresenta proposições sobre gerenciamento de riscos climáticos (desastres)?
  2. A proposta no plano é detalhada, com a apresentação de plano, programa ou pasta?

No Brasil, 90% dos municípios têm alguma área sob risco climático

Em maio de 2024, um levantamento do Instituto Cidades Sustentáveis — Pesquisa Nacional sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, realizada em parceria com a Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) — alertou que 94% dos municípios brasileiros não têm estratégias suficientes para prevenção e gestão de riscos climáticos. Segundo o estudo, a maioria dos 5.570 municípios brasileiros tem menos da metade de um conjunto de 25 planos, ações e instrumentos municipais para enfrentar eventos como enchentes, inundações e deslizamentos de encostas.
O resultado da pesquisa reflete o entendimento e intenções dos políticos que assumem as prefeituras dos municípios. Análise feita pela Lupa de todos os programas de governo apresentados em 2020 pelos atuais prefeitos das 26 capitais brasileiras mostrou que, embora 61,5% dos então candidatos tenham citado a importância de se ter um plano sobre gerenciamento de desastres, somente 26,9% de fato detalharam propostas e planos para isso.

O que os prefeitos de Porto Alegre, Belém, Recife, São Paulo e Rio prometeram nas eleições de 2020

O prefeito Sebastião Melo (MDB), então candidato à prefeitura de Porto Alegre, não mencionou a emergência climática ou a necessidade de prevenção de desastres no plano de governo que apresentou em 2020. O documento proposto naquela época faz uma menção discreta sobre “importância do meio ambiente” e de revisar o plano diretor, sem apresentar detalhes. Cerca de quatro anos depois, em maio de 2024, a capital gaúcha enfrentou a pior enchente de sua história.
Ruas alagadas durante a pior enchente da história de Porto Alegre - Imagem: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
 
Outro exemplo é Belém, cidade que em 2025 será sede da 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 30. O atual prefeito e candidato à reeleição, Edmilson Rodrigues (PSOL), não apresentou em 2020 qualquer proposta ou sequer menção à emergência climática ou planos para gestão e mitigação de desastres causados pelo aquecimento global. 
Já para a cidade de Recife, onde metade do território apresenta alto risco de inundações e alagamentos, o atual prefeito e candidato à reeleição, João Campos (PSB), até citou, quando concorreu à prefeitura em 2020, a ideia de um projeto de elaboração de uma Política de Sustentabilidade e Mudanças Climáticas. No entanto, não detalhou, na época, qualquer proposta voltada para gestão de risco por desastres causados por eventos extremos.
A cidade de São Paulo, assim como Recife, tem um histórico longo de casos de alagamentos, enchentes e deslizamentos de terra. Em fevereiro deste ano, para citar um exemplo, uma chuva forte de algumas horas após calor intenso resultou em quase 100 chamados para enchentes e de risco de desabamento. Em 2020, a chapa formada por Bruno Covas (PSDB) e o vice, Ricardo Nunes (MDB) — Covas morreu em maio de 2021 e, agora, Nunes busca a reeleição — alegou, no programa de governo daquela eleição, querer uma gestão orientada por cumprir protocolos ambientais e combater o aquecimento global, mas sem detalhar planos para isso. Na época, o documento indicou que pretendia aperfeiçoar a Política Municipal de Mudança do Clima, de 2009. Em relação à prevenção de desastres, apresentou ideias pouco detalhadas, como ações do programa SP Bem Cuidada, que prevê drenagem e prevenção de enchentes e alagamentos e, ainda, uso de tecnologia no combate às enchentes.
Já no Rio de Janeiro, uma das principais capitais do país, mais de 1 milhão de casas estão em áreas de risco de enchentes e deslizamentos. Apesar do histórico, o prefeito e candidato à reeleição Eduardo Paes (PSD), não apresentou nenhuma proposta em 2020 — nem para mitigação da emergência climática nem para gerenciar desastres causados por eventos climáticos. Naquele ano, a candidatura dele cadastrou um documento de apenas duas páginas, chamado de “versão preliminar do programa de governo” junto ao TSE.
A reportagem entrou em contato com as assessorias de imprensa de todas as prefeituras analisadas para saber se as propostas apresentadas em 2020 foram implementadas ou não. Também pedimos uma descrição do que foi feito em caso de algum plano ter sido implementado e, em caso negativo, os motivos para as propostas não terem sido executadas. Apenas sete responderam. 
A prefeitura de Recife explicou à Lupa que elaborou três Inventários de Emissão de Gases de Efeito Estufa (referentes a 2012, ao período de 2013 a 2015 e de 2016 a 2017) e lançou o Programa EcoRecife, com medidas para estimular a mudança de comportamento em favor do meio ambiente. Como um dos exemplos, citou a proibição de novas compras de copos descartáveis na sede da prefeitura. Dentre as ações de mitigação da emergência climática, apontou a troca de iluminação pública da cidade por lâmpadas em LED e instalação de placas solares nos equipamentos públicos, entre outras iniciativas. 
Em nota, a prefeitura de São Paulo informou que, desde 2021, a cidade tem feito investimentos no combate às enchentes — R$ 6,3 bilhões entre 2021 e junho de 2024. Esses recursos foram destinados, segundo a prefeitura, a obras, serviços, manutenções, intervenções no sistema de drenagem, sistemas de monitoramento e melhorias nas áreas com riscos geológicos. Também afirmou que, desde 2021, adota um Plano de Ação Climática, com diretrizes para adaptação à nova realidade do clima e medidas para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Vale pontuar que esse plano foi elaborado em 2020, na primeira gestão do ex-prefeito Bruno Covas — e não na gestão de Nunes. 
Já a prefeitura do Rio de Janeiro enumerou investimentos em obras de encostas e em drenagem, além de ações realizadas pela gestão de Paes nos últimos quatro anos — nenhum desses itens estava descrito no programa de governo. Como exemplo, obras de drenagem para eliminação de pontos críticos de alagamento em locais como Avenida Borges de Medeiros, na Rua Alexandre Calaza e nas estradas da Pedra e do Catonho; instalação de mais de 70 mega ralos e ralos (tipo boca de lobo) para reduzir alagamentos; e a limpeza de 325 quilômetros de rios; entre outros. 
Além da criação e reflorestamento de parques, sobretudo nas Zonas Norte e Oeste, a prefeitura também informou que estabeleceu a classificação de níveis de calor que vai nortear e implementar protocolos de alerta nos períodos em que a cidade estiver sujeita a altas temperaturas. Ainda sobre gerenciamento de riscos, a gestão de Paes listou a  ampliação de Centro de Operações (COR) que, entre outros, monitora a intensidade de chuvas e criação de novo radar meteorológico. Por fim, informou que, em 2021, atualizou o mapeamento das áreas vulneráveis à elevação do nível médio do mar na cidade.
As prefeituras de Porto Alegre e de Belém não responderam. 

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Maiquel Rosauro
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