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Vereador mais votado do Rio, Carlos Bolsonaro usa redes como palanque para mentiras sobre clima
17.10.2024 - 16h59
Rio de Janeiro - RJ
Carlos Bolsonaro (PL) bateu o próprio recorde ao ser reeleito como o vereador mais votado de uma das maiores cidades do país, o Rio de Janeiro. Além de ser o estrategista das redes do pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ele usa o alcance de seus próprios perfis para disseminar mentiras sobre a emergência climática. O assunto é alvo recorrente de críticas, deboche e desinformação do político há pelo menos cinco anos e se reflete na atividade legislativa dele na Câmara do Rio.
Em ataque mais recente, ele aproveitou o desbloqueio do X (antigo Twitter) no país e reestreou na plataforma de Elon Musk em 9 de outubro com mais uma publicação na qual insinua que o aquecimento global é uma farsa — o que não é verdade — e disparar suas usuais críticas contra ONGs e empresas que adotam os princípios do ESG (Environmental, Social and Governance, na sigla em inglês), termo usado para as práticas voltadas para a preservação do meio ambiente, responsabilidade com a sociedade e transparência empresarial. 
A publicação teve mais de 118 mil visualizações em uma semana e se soma a outras já feitas pelo vereador reeleito que tentam  — sem provas ou embasamento científico — negar os efeitos das mudanças no clima.  
Post feito em 9 de outubro, após desbloqueio do X no Brasil, teve 118 mil visualizações em uma semana - Imagem: reprodução
Além de uma longa legenda na qual chama o ESG  de “carro-chefe do comunismo do século 21” e de “antítese da prosperidade e da independência individuais”, Carlos Bolsonaro compartilhou um vídeo de mais de dois minutos e meio com uma série de fakes sobre a emergência climática. Na gravação publicada pelo vereador, o narrador enganosamente sugere que o aquecimento global é uma farsa, cita uma teoria conspiratória de que o “alvoroço por conta do clima da Terra” seria parte de um método usado por grupos econômicos para mudar o comportamento da população mundial e ainda enumera várias outras mentiras, como a de que o CO2 não é um “vilão” para o planeta; e que o aquecimento global é um fenômeno natural, ou seja, não é provocado pela ação humana.
Comentários de seguidores de Carlos Bolsonaro em post de 9 de outubro, pós-desbloqueio do X, ecoam o negacionismo e a desinformação climática - Imagem: X, reprodução
Todos esses boatos já foram incansavelmente desmentidos pela comunidade científica mundial. Desde os anos 1980, estudiosos vêm alertando sobre o aquecimento do planeta.  

Carlos Bolsonaro tem histórico negacionista

Essa não é a primeira vez que o filho 03 do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), usa as redes para debochar ou espalhar desinformação climática. Em julho de 2019, ele usou o X para questionar, com ironia, a relação entre aquecimento global e uma onda de frio registrada no Brasil naquele ano. Ele foi desmentido na época. Segundo especialistas,  temperaturas baixas não são uma prova da inexistência do aquecimento global. Pelo contrário: o aumento da frequência de grandes flutuações e temperaturas muito extremas — baixas ou altas — são consequências da emergência climática.
Para citar um exemplo mais recente, em julho deste ano, Carlos Bolsonaro publicou o vídeo de uma reportagem antiga do canal de TV norte-americano CBS sobre o aumento da temperatura do planeta e insinuou que a comunidade científica teria abandonado a teoria do aquecimento global e que a tese das mudanças climáticas seria uma falácia. Essa informação é falsa e foi desmentida pela Lupa.
Como explicado acima, relatório de 2023 do IPCC indicou que entre os anos 2011 e 2020, a temperatura média da superfície da Terra estava cerca de 1,1°C mais alta do que no período de 1850 a 1900, considerado como referência pré-industrial. O mesmo relatório, revisado por 360 cientistas de todo o mundo, ressalta que o aquecimento observado nesse período foi “causado pelo ser humano” por “gases de efeito estufa”, especialmente o CO2
Em seu canal no Telegram, com mais de 142,2 mil seguidores, o vereador carioca também costuma espalhar conteúdos negacionistas e falsos sobre a emergência climática, além de fazer usuais ataques a ONGs e empresas e governos que seguem os princípios do ESG. 
Exemplos de conteúdos publicados no canal de Carlos Bolsonaro no Telegram - Imagem: reprodução
Em 25 de julho deste ano, por exemplo, publicou uma crítica à imprensa e sugeriu que o aquecimento global — ele costuma usar o termo entre aspas — inexiste. Em outra ocasião, em fevereiro deste ano, chamou o racismo ambiental de falácia e de “piada de mau gosto do ecofascismo”. Chegou ainda a dizer que a mudança climática antropogênica (ou seja, causada pela ação humana) é imaginária.
Vale pontuar que o racismo ambiental é um termo cunhado a partir dos anos 1980 para explicar as injustiças sociais e ambientais contra etnias e populações mais vulneráveis. No Brasil, impacta, por exemplo, pessoas que vivem em favelas e periferias, onde historicamente há predominância de população negra. Esses locais são caracterizados pela falta de estrutura urbana e de serviços básicos, como água potável e saneamento, além de condições de moradia precária, o que deixa essas regiões ainda mais suscetíveis a enchentes e deslizamentos, entre outros efeitos da emergência climática.   

Negacionismo nas redes e na Câmara de Vereadores

O negacionismo climático de Carlos Bolsonaro não se restringe às redes sociais. Baseado muitas vezes em teorias conspiratórias sem provas e já desmentidas, o vereador usa a atividade legislativa na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro para propor projetos ou discussões que colocam em xeque um problema global já comprovado cientificamente.
Em 28 de agosto deste ano, ele protocolou um requerimento (Requerimento de Informações nº 3.848/2024) cobrando explicações da Prefeitura do Rio sobre o decreto que instituiu, em 28 de junho, o Protocolo do Calor (decreto rio nº 54.740/2024) — um conjunto de medidas que, entre outros pontos, estabelece uma classificação de níveis de calor e prevê ações para diminuir os danos à saúde causados pelas altas temperaturas. 
Ao comunicar nas redes sobre o requerimento, o vereador chama as práticas ESG de “praga” e ainda afirma que o “Rio sempre teve episódios esporádicos de calor alto, que nada têm a ver com a mentira tacanha que atende pelo nome de ‘mudanças climáticas’”. Ele enumera oito perguntas à gestão municipal, entre elas “quais episódios anteriores de ‘calor extremo’ e suas consequências deletérias factuais para a rotina do carioca” levaram a Prefeitura a desenvolver um protocolo de ação de combate aos riscos climáticos.
Diferentemente das teorias conspiratórias que o vereador publica nas redes, contudo, dados mostram que a cidade do Rio vem, sim, registrando recordes históricos de temperatura máxima, além de aumento da frequência de eventos climáticos extremos.
“Já existem muitas evidências de que a temperatura está aumentando gradativamente. Mesmo quando esse aumento seja acompanhado de uma diminuição drástica. No Sudeste brasileiro, vem sendo registradas temperaturas baixíssimas, mais que o normal, e que depois são seguidas, meses depois, de temperaturas altas”, afirma Flavia Rosa Santoro, doutora em etnobiologia e conservação da natureza e pesquisadora da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf). “É uma emergência social muito grande, especialmente para as populações vulneráveis que não têm acesso a maneiras de lidar com os problemas de saúde que isso pode causar”. 
Em março deste ano, por exemplo, o Sistema Alerta Rio registrou 62,3ºC de sensação térmica —  recorde desde que o Centro de Operações Rio começou a fazer as medições, em 2014.  Em 2023, a capital fluminense teve o segundo inverno mais quente dos últimos 20 anos.
As ondas de calor impactam a população de diferentes formas. Trabalhadores expostos a altas temperaturas correm o risco de desidratação, confusão mental, vômitos, desmaios, convulsões, tonturas, exaustão por calor, insolação, taquicardia e infarto,entre outros — condições que podem ser fatais. Pesquisadores alertam que casos como a morte de Ana Clara Benevides Machado, de 23 anos, durante o show de Taylor Swift na cidade do Rio em 2023, foi um exemplo explícito dos perigos das ondas de calor — e que a aplicação do Protocolo de Calor decretado pela prefeitura poderia ter evitado a fatalidade. A medida foi criada em junho deste ano, e nenhum grande evento foi suspenso até o momento. 
Em outro episódio, o vereador Carlos Bolsonaro apresentou um projeto de lei (PL 3120/2024) para tornar organizações pró-meio ambiente “personas non gratas” e ainda proibir que o município estabeleça convênios e contratos na cidade do Rio. A justificativa? Segundo o vereador, essas instituições são comunistas e teriam um “plano de dominação”.  
O PL foi protocolado em 8 de maio, quando a maior parte das cidades do Rio Grande do Sul viviam uma tragédia climática com as enchentes. No PL, o alvo do vereador foram 12 ONGs, entre elas o Instituto Socioambiental (ISA), instituição que atua na defesa da diversidade socioambiental brasileira há 30 anos; e o Greenpeace, que atua em mais de 50 países promovendo a conservação do meio ambiente e proteção das espécies ameaçadas de extinção.  
O vereador foi procurado por meio de seu gabinete e não respondeu até a publicação da reportagem. 

O que diz a ciência sobre algumas das teorias falsas disseminadas pelo vereador 

  1. O aquecimento global não é uma farsa
Existe um consenso de mais de 99% na comunidade científica mundial de que o aquecimento global é um fato e já está acontecendo. Estudos sobre os possíveis efeitos de gases como o CO2 no clima da Terra remontam desde o século 19. Mas foi a partir dos anos 1980 que pesquisadores passaram a alertar e a divulgar uma série de evidências sobre os efeitos da ação antrópica (causada pelo ser humano) na temperatura do planeta. O sexto e mais recente relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicou que as alterações climáticas já estão afetando todas as regiões da Terra. Entre as mudanças observadas, estão o aumento do nível do mar, o derretimento de geleiras, o aquecimento dos oceanos e eventos climáticos extremos mais frequentes e intensos, entre outros. 
  1. Dióxido de carbono (CO2) é, sim, um dos responsáveis pelo aquecimento do planeta 
O dióxido de carbono (CO2) é um gás derivado a partir de vários processos, naturais e não naturais, como a respiração dos seres vivos, fermentação de líquidos e combustão de combustíveis fósseis, entre outros. É vital para o planeta porque ajuda a reter o calor. Contudo, quando o CO2 é lançado em demasiado na atmosfera, como observado especialmente a partir da revolução industrial, essa substância tem efeito maléfico porque esquenta demais a Terra, causando a elevação da temperatura e, por consequência, o aquecimento global.
Por isso, é chamada de gás de efeito estufa (GEE). O CO2 torna-se especialmente prejudicial quando é liberado por atividades realizadas por seres humanos, como a queima de combustíveis fósseis, processos industriais, desmatamentos e queimadas. De acordo com Organização das Nações Unidas, com base em relatórios do IPCC, a quantidade de CO2 na atmosfera tem aumentado a “um ritmo sem precedentes”. Quanto mais poluição como o CO2 e outros GEEs (gases de efeito estufa) acumular na atmosfera, mais calor do sol fica retido e mais quente fica o planeta.
  1. Aquecimento global por ação humana é fato, não mito Aquecimento global por causas humanas não é falácia
O aquecimento global é real e é resultado principalmente das ações humanas. Atividades como uso de combustíveis fósseis, desmatamento, queimadas, poluição e agricultura, entre outros, emitem os chamados gases de efeito estufa (GEEs), como dióxido de carbono (CO2), metano e o óxido nitroso.
Essas substâncias são capazes de absorver a radiação refletida pelo planeta após absorção da luz solar, impedindo que “escapem” para o espaço. Como consequência disso está o aumento da temperatura da superfície da Terra. O relatório de síntese mais recente do IPCC indicou que a atividade humana é a “causa esmagadora das alterações climáticas”. O relatório é assinado por centenas de cientistas em todo o mundo.  

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João Pedro Capobianco
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