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O que sabemos sobre áudio atribuído a André Fernandes sobre compra de votos em Fortaleza
24.10.2024 - 11h04
Porto Alegre - RS
André Fernandes é candidato à Prefeitura de Fortaleza pelo PL. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Circula nas redes sociais um áudio atribuído ao candidato a prefeito de Fortaleza (CE), André Fernandes (PL), no qual ele estaria supostamente alegando que é hora de “derramar dinheiro” para vencer a eleição. Contudo, ele nega a acusação e afirma ser vítima de um crime. A Lupa utilizou ferramentas de detecção de inteligência artificial (IA) para analisar se o áudio é real ou fake, mas o resultado foi divergente. Abaixo, confira tudo o que sabemos sobre o caso e entenda por que é tão difícil determinar a veracidade do conteúdo.

O post

No áudio, que circula pelo menos desde o final de semana, a voz na gravação relata que o candidato a prefeito Evandro Leitão (PT), que está no segundo turno junto com Fernandes, está à frente em uma pesquisa eleitoral e que aquele era o momento para comprar votos, o que é ilegal.
“Acabei de ver uma pesquisa interna aqui da gente que os caras passaram, o Leitão tá na frente, 3 ponto percentual (sic) já na frente. E assim né, faltam só nove dias para a encerrar as eleições né. Daqui para domingo é derramar dinheiro na mão de pastor, líder comunitário, o que tiver”, diz o áudio. 

A checagem

O áudio indica que a mensagem foi gravada em 18 de outubro, nove dias antes do pleito deste segundo turno, marcado para o dia 27. Como pesquisas internas não são divulgadas para o público, não há como verificar o estudo. Porém, o levantamento contrasta com o da Quaest em Fortaleza, divulgado no dia 18, o qual mostra Fernandes e Leitão empatados com 43% das intenções de voto. 
Em uma entrevista coletiva, na segunda-feira (21), Fernandes disse que era vítima de uma deepfake (técnica de síntese de imagens ou sons humanos baseada em técnicas de IA) e culpou Leitão pela disseminação do áudio em grupo no WhatsApp. O candidato do PL ainda afirma que ingressou com ações no Ministério Público e na Polícia Federal. Já o petista, em vídeo nas redes sociais, disse que Fernandes não deveria se vitimizar, uma vez que é conhecido por espalhar desinformação.

As ferramentas

A Lupa analisou o áudio em três ferramentas de detecção de IA: Hive, TrueMedia e Resemble Detect. 
A Hive indicou que há 99,9% de probabilidade de o áudio ter sido gerado por IA. 
A TrueMedia também indicou que o áudio possui substanciais evidências de manipulação, com 100% de confiança de que o áudio foi gerado por IA.
Já o Resemble Detect indicou que o áudio é real, embora possa ser uma imitação.

“Basta ter de 5 a 10 segundos da voz de alguém para criar qualquer discurso”, diz professor

O advogado e professor do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília, Frank Ned Santa Cruz de Oliveira, relata que, no passado, era mais simples analisar se um áudio era real ou fake, uma vez que não existiam as ferramentas de criação de conteúdo com uso de IA.
"Anteriormente, você tinha o áudio ou o vídeo de alguém e, por meio de edição, se fazia um recorte. A partir disso, era construído um discurso que fizesse sentido”, comenta Oliveira.
Ou seja, o processo de construção era mais trabalhoso e, ao mesmo tempo, era mais simples fazer a verificação. “Quando você fazia uma análise do espectro de voz, você conseguia identificar a variação, uma continuidade, um corte ou uma quebra na fluidez. Esses eram elementos que indicavam que aquele áudio foi manipulado”, explica o professor. 
Oliveira afirma que, com as novas ferramentas de produção de conteúdo com uso de IA, bastam poucos segundos de uma gravação original para conseguir reproduzir a voz de uma pessoa. Por consequência, esses conteúdos colocam em xeque a credibilidade de autoridades nos mais diferentes contextos.
“O que ocorre agora com as novas ferramentas generativas basta ter de 5 a 10 segundos da voz de alguém para criar qualquer discurso. Não há pontos de interconexão ou quebra na fluidez. Para comprovar que alguém, de fato, não foi o autor daquele áudio, não é um processo somente técnico, é preciso conjugar isso com outros elementos”, avalia.

“Com áudios tão sofisticados, fica mais difícil distinguir o que é humano”, comenta especialista

De acordo com o cientista de dados e pesquisador do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), Ergon Cugler, vários fatores dificultam que as ferramentas de detecção identifiquem se um áudio foi ou não gerado por IA. O primeiro ponto, segundo o especialista, é a enorme variedade de modelos de IA sendo usados para criar áudios, cada um com uma abordagem específica, o que torna difícil criar uma ferramenta única que consiga detectar, por exemplo, todos os tipos de síntese.
“Outro ponto é que muitas vezes esses áudios são tão realistas que imitam muito bem a voz humana, com pausas, entonações e até pequenos erros que parecem naturais. Algumas ferramentas podem até procurar por padrões artificiais, mas com áudios tão sofisticados, fica mais difícil distinguir o que é humano e o que é gerado por IA”, explica Cugler.
Além disso, o especialista aponta que não existe um padrão único para essa detecção, pois cada ferramenta usa métodos e algoritmos diferentes, o que pode explicar por que o resultado da Resemble Detect é o oposto da Hive e TrueMedia.
“Outro fator que atrapalha é que, muitas vezes, o áudio gerado por IA passa por edições manuais e humanas, como a adição de ruídos de fundo, o que dificulta ainda mais a análise por padrões sintéticos”, comenta Cugler. 
O cientista de dados relata ainda que as ferramentas de detecção passam por uma "corrida de gato e rato", pois precisam estar sempre atualizadas, ao mesmo tempo que a IA vai evoluindo de forma mais ágil. “Dessa forma, pode demorar até que essas tecnologias de detecção acompanhem o ritmo das tecnologias de produção”, explica Cugler.

Outro lado

A assessoria de André Fernandes, via WhatsApp, disse que todos os procedimentos sobre o áudio já foram tomados. A assessoria de imprensa da Polícia Federal, em nota, disse que não confirma nem se manifesta sobre eventuais investigações em andamento.
A Lupa entrou em contato com a assessoria de imprensa de Evandro Leitão e do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE), mas não obteve retorno. 
A assessoria do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) informou, via e-mail, que está apurando o caso e que irá retornar o contato da Lupa. A reportagem será atualizada quando o órgão se manifestar.
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Ítalo Rômany
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