UOL - O melhor conteúdo
Lupa
O que aprendi em 9 anos checando Donald Trump
07.11.2024 - 10h52
The Washington Post
Foto: RS/Fotos Públicas
Este texto foi publicado originalmente em inglês pelo The Washington Post em 6 de novembro e traduzido para o português pela equipe da Lupa.

Sobre o autor: Glenn Kessler é editor e redator-chefe do The Fact Checker do The Washington Post desde 2011, sendo um dos pioneiros em fact-checking nos Estados Unidos. Com mais de quatro décadas como jornalista, Kessler cobriu diversos temas, como política externa, economia, Casa Branca e Congresso. Juntamente com outros jornalistas do The Washington Post, recebeu dois prêmios Pulitzer, um dos mais prestigiados do jornalismo mundial. É autor dos livros “Donald Trump e seu Ataque à Verdade: as Falsidades, Alegações Enganosas e Mentiras Descaradas do Presidente” (em tradução livre) e “A Confidente: Condoleezza Rice e a Criação do Legado de Bush". 

Em meus 14 anos de trabalho como verificador de fatos do The Washington Post, nove deles foram dedicados em dissecar e desmentir alegações feitas por Donald Trump. De fato, nenhuma pessoa foi tão verificada com tanta frequência quanto o republicano, superando e ultrapassando adversários como Hillary Clinton, Joe Biden and Kamala Harris, que também foram alvos de verificações. E nenhuma outra pessoa conquistou de forma consistente os “quatro ‘Pinóquios” — etiqueta dada pelo sistema de métricas do jornal a um mentiroso contumaz — dia após dia, semana após semana. 
Eu cobri Trump pela primeira vez como repórter de economia na década de 1980. Por isso, eu já estava muito familiarizado com esse longo histórico de exageros e bravatas quando ele explodiu no cenário político em 2015 (sem contar seu breve flerte com o Partido Reformista em 2000). “O empresário Donald Trump é o sonho … e o pesadelo de qualquer verificador de fatos”, escrevi no texto de checagem do discurso de Trump em que ele anunciou sua candidatura à Presidência dos Estados Unidos. 
Agora, ele ganhou de forma convincente um segundo mandato via colégio eleitoral e, como visto, deve vencer pela primeira vez, após três tentativas, pelo voto popular. Após suas duas primeiras campanhas, eu escrevi análises que, em retrospectiva, subestimaram o fenômeno Trump.
Em 2016, observei que, “com base apenas em evidências anedóticas — e-mails de leitores —, uma das razões de as declarações falsas de Trump pouco importarem para seus apoiadores é porque ele repetia coisas que eles já acreditavam”. Mas expressei a esperança de que “agora que Trump irá assumir a Presidência, ele poderá perceber que não é do seu interesse continuar fazendo afirmações sem fundamentos em fatos". 
Como exemplo, Trump alegou durante a campanha que a taxa de desemprego era de 42%, quando na verdade as estatísticas oficiais diziam que era de 5%. Sugeri que ele poderia se sentir envergonhado ao ser contradito pelos dados oficiais uma vez que ele tomasse posse como presidente. 
Eu estava errado. Ele abraçou os números como seus  — e depois se gabou de ter criado a maior economia da história dos Estados Unidos, embora a tivesse herdado do governo Barack Obama. 
Quando Trump perdeu as eleições em 2020, minha análise teve um título que hoje soa embaraçoso: “Fact-checking in a post-Trump era” (Checagem de fatos em uma era pós-Trump, em tradução livre). Escrevi que “sua derrota para o democrata Joe Biden sugeria que a aderência aos fatos importava". 
O Fact Checker, projeto de checagem do The Washington Post, documentou mais de 30 mil alegações falsas ou enganosas feitas por Trump durante seu governo. De fato, ao longo daquele mandato, Trump foi o primeiro presidente desde a Segunda Guerra Mundial a falhar em conseguir apoio majoritário das pesquisas de opinião pública. Uma das razões era de que relativamente poucos estadunidenses acreditavam que ele era honesto e confiável, uma métrica importante das pesquisas da empresa de análise Gallup. A Gallup descreveu isso como “uma das características pessoais mais fracas [de Trump]”.
Foto: RS/ Fotos Publicas
Como evidência de que Trump foi prejudicado por suas falsidades, apontei o seguinte sobre a vitória apertada de Biden nos estados de Arizona e Georgia: “É bem provável que ao menos 9 mil pessoas no Arizona e 5 mil pessoas na Geórgia tenham ficado chateados com os falsos ataques contínuos de Trump aos filhos da terra, o senador republicano John McCain e o congressista John Lewis, mesmo após suas mortes, a ponto que decidiram apoiar Biden em vez de Trump.”
O ensaio foi publicado antes de Trump embarcar em meses longos de campanha para alegar que Biden venceu aquela eleição por meio de fraude — uma mentira desmentida em uma decisão judicial após outra. O ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, inspirado por essa retórica, parecia ser uma mancha indelével. No entanto, desde 2020, Trump usou essa falsa alegação para manter o apoio dos republicanos e construir uma base para seu retorno.
Nessa campanha eleitoral, Trump mais uma vez recorreu a falsas alegações e, por vezes, de mentiras ultrajantes, especialmente sobre imigração e economia. Ele surfou sobre uma onda de descontentamento com a inflação — um problema em todos países industrializados após a pandemia — para alegar falsamente que a economia estava um desastre, apesar das taxas baixas de desemprego, da queda da inflação e do forte crescimento econômico.
Mês passado, a revista The Economist publicou uma reportagem de capa declarando que a economia dos Estados Unidos era “a inveja do mundo". No entanto, pesquisas de boca de urna mostram que dois terços dos eleitores afirmaram que a economia estava em má situação.
Eu não faço checagem de fatos para influenciar o comportamento de políticos; eu faço checagem para informar os eleitores. O que os eleitores — ou políticos — vão fazer com essa informação, isso depende deles.
Trump certamente se beneficia de um sistema de informação cada vez mais segmentado — um mundo cujas pessoas podem configurar seus feeds de redes sociais ou escolher um canal de televisão para receber somente informações que confirmam o que eles acreditam. É provável que não seja um acaso que a ascensão de Trump na política coincida com o aumento das redes sociais, que ele ​​usou habilmente como atrativo de atenção para levantar (falsamente) questões sobre o registro de nascimento do ex-presidente Barack Obama.
Nessa campanha, Trump fez muitas promessas que dificilmente irá cumprir, como reduzir a dívida nacional e cortar os preços da energia pela metade. Ele também disse que iria reduzir a inflação, embora isso já tenha sido em grande parte alcançado, e muitos economistas afirmam que seu plano de impor grandes tarifas sobre mercadorias importadas pode reacender a inflação novamente.
Não importa o que aconteça, ou quantas verificações de fatos sejam produzidas, desta vez eu não duvidarei da capacidade de Trump de convencer seus apoiadores de que tudo são boas notícias — ou de que o problema é culpa de outra pessoa, independentemente dos fatos.

Todos os conteúdos da Lupa são gratuitos, mas precisamos da sua ajuda para seguir dessa forma. Clique aqui para fazer parte do Contexto e apoiar o nosso trabalho contra a desinformação.

LEIA TAMBÉM
Clique aqui para ver como a Lupa faz suas checagens e acessar a política de transparência
A Lupa faz parte do
The trust project
International Fact-Checking Network
A Agência Lupa é membro verificado da International Fact-checking Network (IFCN). Cumpre os cinco princípios éticos estabelecidos pela rede de checadores e passa por auditorias independentes todos os anos.
A Lupa está infringindo esse código? FALE COM A IFCN
Tipo de Conteúdo: Opinião
Conteúdo editorial em que a Lupa ou convidados se posicionam sobre algum fato envolvendo desinformação e educação midiática.
Copyright Lupa. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização.

Leia também


09.01.2025 - 17h33
opinião
Carta aberta dos checadores de fatos do mundo a Mark Zuckerberg, nove anos depois

Há nove anos, escrevemos ao senhor sobre os danos causados pela desinformação no Facebook. Em resposta, a Meta criou um programa de verificação de fatos que ajudou a proteger milhões de usuários contra boatos e teorias da conspiração. Nesta semana, o senhor anunciou o fim do programa nos Estados Unidos devido a preocupações com “censura excessiva”

07.11.2024 - 10h52
Opinião
O que aprendi em 9 anos checando Donald Trump

O redator-chefe do The Fact Checker do The Washington Post, Glenn Kessler, compartilha em sua coluna os aprendizados e desafios dos nove anos em que checou as alegações falsas do presidente eleito Donald Trump. Ele também analisa o cenário atual e demonstra como a vitória do republicano evidencia o poder de permanência de suas mentiras.

Glenn Kessler
11.07.2024 - 18h17
opinião
Alvo de 'Abin paralela', Lupa pede resposta de autoridades sobre espionagem ilegal

A Lupa repudia o uso clandestino de ferramentas operadas pelo Estado brasileiro contra a imprensa e, especificamente, contra a própria Lupa. Ações como essa representam riscos a uma democracia livre e precisam de respostas contundentes das autoridades.

Natália Leal
09.05.2024 - 16h03
Rio Grande do Sul
Como é estar em Porto Alegre e combater fakes em meio ao caos da enchente

Repórter da Lupa relata como é trabalhar com checagem de fatos vivendo em Porto Alegre, cidade que convive com bairros alagados, falta de água potável e com uma enxurrada de desinformação que contribui para o caos.

Maiquel Rosauro
01.11.2023 - 08h00
Coluna
Um ano após Musk, X enfrenta declínio em meio à escalada de fakes e ódio

Em seu primeiro ano à frente do X (antigo Twitter), Elon Musk coleciona fracassos. Há queda em downloads, tempo de uso e valor de mercado. Enquanto isso, cresce a circulação de discurso de ódio, incluindo mensagens racistas, antissemitas e homofóbicas, e da circulação de desinformação e teorias conspiratórias, analisa a colunista Cristina Tardáguila.

Cristina Tardáguila
Women Owned
Assine nossa newsletter
sobre desinformação
Acompanhe nossas redes
Lupa © 2025 Todos os direitos reservados
Feito por
Dex01
Meza Digital