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Atentado ao STF: o que se sabe até o momento
14.11.2024 - 18h17
João Pessoa - PB
Foto: Bruno Peres/Agência Brasil
O atentado ocorrido na praça dos Três Poderes em Brasília, na noite de quarta-feira (13), tem deixado ainda muitas lacunas. Um homem vestindo roupas com estampa de naipes de cartas de baralho explodiu duas bombas, uma perto do Supremo Tribunal Federal (STF) e outra em um veículo Kia Shuma 1999/2000 encontrado próximo a um dos anexos da Câmara dos Deputados. Em seguida, acendeu um outro artefato contra si, que acabou levando-o a óbito. 
A Polícia Federal (PF) confirmou que o homem que morreu após as explosões é Francisco Wanderley Luiz, conhecido como Tiü França, de 59 anos. Horas após o atentado, mensagens supostamente compartilhadas nas redes pelo perfil do autor responsável pelo ocorrido movimentaram as redes. Nelas, Francisco disseminava teorias conspiratórias anticomunistas e ataques contra autoridades, principalmente o STF. Em aplicativos de mensagens, o assunto tem ganhado interesse, com alcance estimado de mais de 2,1 milhões de usuários distintos do WhatsApp e Telegram no Brasil, da noite de quarta-feira (13) até a tarde desta quinta-feira (14), de acordo com levantamento feito pela Lupa no monitor da Palver.
O diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, afirmou que o episódio não era um fato isolado. “Ainda é cedo para dizer se houve participação direta nos atos de 8 de janeiro. Isso a investigação apontará", explicou. Entretanto, ainda não há detalhes sobre a motivação do crime. 
Segundo a PF, as bombas foram produzidas de maneira artesanal, “mas com grau de lesividade muito grande, artefatos de fragmentação que simulam uma granada”, explicou o diretor-geral Andrei Rodrigues. No porta-malas do veículo de Francisco foram encontrados ainda vários fogos de artifício montados e apoiados em tijolos para que fossem acionados em uma determinada direção. Em coletiva de imprensa, a governadora em exercício do Distrito Federal, Celina Leão, afirmou que Francisco tentou ainda invadir sem sucesso o prédio do Supremo. 
Há ainda muitas dúvidas sobre o episódio: Quem era o autor do atentado? Qual a motivação do crime? Ele agiu sozinho? O autor tinha alguma relação com os atos golpistas de 8 de janeiro?
A Lupa apurou e reuniu o que se sabe até o momento sobre o atentado ao STF. Confira:

Quem era Francisco Wanderley Luiz

Conhecido como Tiü França, Francisco Wanderley Luiz foi candidato a vereador em 2020, pelo Partido Liberal (PL). Obteve somente 98 votos, não chegando a ser eleito. À época, o então presidente Jair Bolsonaro não estava filiado a nenhum partido. Após a tentativa fracassada de lançar uma nova legenda, Bolsonaro se filiou ao PL somente em novembro de 2021.
Francisco declarou R$ 263 mil de patrimônio, além de uma moto, três carros e um prédio de dois andares em Rio do Sul (SC). Ele trabalhava como chaveiro e, de acordo com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o autor do atentado ainda era ligado ao partido, mas sem relação com a liderança. “Temos quase 1 milhão de filiados no Brasil, claramente esse era um sujeito desequilibrado. Foi um caso isolado", afirmou. 
O autor do atentado tinha passagem pela polícia e foi preso em dezembro de 2012 pelo crime de contravenção — como mostra ficha criminal disponibilizada no site do Tribunal Superior Eleitoral. Não há detalhes sobre os processos. De acordo com a imprensa local, ele foi detido em flagrante por lesão corporal. A condenação foi revogada em agosto de 2014, quando o processo foi transitado em julgado, e o Ministério Público determinou a extinção da pena.
Francisco chegou a visitar o plenário do STF no dia 24 de agosto deste ano. “Deixaram a raposa entrar no galinheiro (chiqueiro)”, teria postado. Ele tinha alugado um kitnet em Ceilândia, no Distrito Federal, há pelo menos três meses e pagava R$ 570 de aluguel. A administradora do imóvel disse ao jornal Correio Braziliense que alguns dias atrás ele colocou uma cortina preta na casa. "Nunca tinha feito isso. Fiquei estranhando essa atitude dele. Pensei: 'Tem alguma coisa aí dentro que ele não quer que eu veja’". 
A ex-mulher de Francisco Wanderley Luiz afirmou à PF que o plano dele era matar o ministro do STF Alexandre de Moraes. “A primeira vez que ele foi pra Brasília foi quando o Lula entrou [em janeiro de 2023], ficou dois meses lá. [...] Eu sabia onde ele tava, ele dizia pra mim. [...] Tinha pesquisa no Google sobre isso ali [matar Moraes]. Aí eu mandei pra ele :'Tu vai mesmo fazer esse tipo de loucura?' Ele disse que não. Aí eu printei e mandei pra ele e perguntei: 'Como que não?' Por que tu ta pesquisando esse tipo de coisa?". 
Pessoas próximas afirmaram que Francisco passava por problemas pessoais. À CNN Brasil, o deputado federal Jorge Goetten (Republicanos-SC) afirmou que conhecia o autor do atentado e que tinha recebido uma visita dele em seu gabinete no ano passado. “Senti ele, até comentei com colegas do gabinete, um tanto quanto alterado, com problema mental. Ele falou para mim com a separação e senti que isso abalou muito ele. Não era aquele amigo lá de Rio do Sul que eu conhecia”. 
Ao jornal Metrópoles, o filho adotivo de Francisco disse que estava há meses sem notícias do pai. “Ele tinha uns problemas pessoais com a minha mãe e estava muito abalado com a situação, e ele viajou. Foi só isso que ele falou. Ele só queria viajar. A intenção dele era ir para o Chile."

Relação com os atos de 8 de janeiro

De acordo com o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, Francisco esteve em outras oportunidades em Brasília anteriormente, inclusive no começo de 2023, entretanto a PF afirmou que ainda não há vestígios de que ele tenha participado dos atos de 8 de janeiro. A declaração foi dada durante entrevista coletiva na manhã desta quinta-feira (14).
De acordo com Rodrigues, o kitnet que Francisco alugou no Distrito Federal tinha uma menção aos atos golpistas. “Hoje na residência [de Francisco] na Ceilândia havia uma mensagem escrita nas paredes, uma menção ao que foi feito no 8 de janeiro na estátua da Justiça", informou.
A mensagem no espelho dizia: “DEBORA RODRIGUES, Por favor não desperdice batom. Isso é para deixar as mulheres bonitas. Estátua de merda se usa TNT."  O texto fazia alusão à cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, flagrada pichando os dizeres 'perdeu, mané' na estátua da deusa Têmis, monumento da Justiça em frente à sede do STF, detida em março de 2023. 
Mensagem deixada pelo autor do atentado na casa em que alugou. Foto: Reprodução redes.
Ainda segundo a PF, não se sabe a motivação do crime. Mas diante das evidências, a investigação trabalha com a hipótese criminal “de uma ação terrorista". 
“[Trabalhamos] também [com a hipótese] de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. E esse caso se conecta, como também rapidamente mencionei, com outras investigações nossas aqui da Polícia Federal, que a partir inclusive desse sinal muito claro dessa mensagem deixada pela pessoa que se suicidou ontem, revela que de fato há conexões e portanto nós vamos trabalhar com a nossa equipe, com o apoio da Polícia Militar, com o apoio da Polícia Civil, para que a gente consiga de fato elucidar esse episódio", ressaltou o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues. 
Foto: Joedson Alvez/Agência Brasil
“Em ofício encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, a Polícia Federal afirma, segundo as apurações iniciais, que o autor das explosões realizou publicações em redes sociais sobre o atentado, nas quais ataca o Poder Judiciário e convoca a população para uma revolução e tomada de poder", diz trecho de texto publicado pelo STF em seu site. Ainda não se sabe se Francisco agiu sozinho ou se teve ajuda de parceiros, segundo a PF. 

Prints que circulam nas redes

Após a confirmação de que Francisco Wanderley Luiz era a pessoa responsável pelo ato ocorrido em Brasília, a imprensa logo divulgou detalhes compartilhados pelo suposto perfil do autor nas redes sociais horas antes de cometer o atentado. As mensagens eram capturas de tela de conversas no WhatsApp do próprio Francisco. 
Os conteúdos eram de ameaças a jornalistas, autoridades e ao STF. “Vamos jogar??? Polícia Federal, vocês têm 72 horas para desarmar a bomba que está na casa dos comunistas de merda: William Bonner, José Sarney, Geraldo Alckmin, Fernando Henrique Cardoso… Vocês 4 são VELHOS CEBÔSOS nojentos”.
Print de tela de perfil do autor do atentado no Facebook. Foto: Reprodução
Além disso, as mensagens eram envoltas de teorias conspiratórias. “Donald Trump, se você ama e respeita as crianças, acelera a operação Storm. Mande o FBI aqui para a Ilha de Marajó. No Brasil, não temos Justiça, nem Polícia Federal. O que temos é Gestapo, mas não serve para nada. Aliás, serve sim: prender velhinhas inocentes”. Em outro post, chegou a falar sobre “os 10 novos mandamentos da política", incluindo a teoria de “urnas alditáveis [sic]”— em alusão a conteúdos enganosos que afirmam que as urnas eletrônicas não podem ser auditadas, o que é falso. 
Bolsonaristas, incluindo parlamentares, têm usado um print em específico como um movimento para dissociar a imagem do autor do atentado ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Nessa captura de tela, Francisco Wanderley teria suplicado o fim da “polarização” entre Lula e Bolsonaro. “Bolsonaro e Lula, vocês amam o Brasil; afasten-se [sic] da vida pública!!!. Chega de polarização!!! Este é o momento de vocês provarem quem vocês são. — O povo é um só povo". 
Print de tela mostra suposta mensagem deixada pelo autor do atentado. Foto: Reprodução
O deputado federal Carlos Jordy (PL-RJ) afirmou em suas redes que “a tentativa de associar o louco que se matou em Brasília com Bolsonaro e a direita é uma canalhice enorme, uma grande desonestidade intelectual". Por sua vez, a deputada federal Carol de Toni (PL-SC) afirmou que o episódio de quarta-feira (13) não tem qualquer relação com os atos golpistas de 8 de janeiro. “Foi um ato suicida". 
Um outro argumento  usado por bolsonaristas para afastar Francisco da direita é o de que  em 2020, ao se candidatar a vereador pelo PL, ele fazia parte de uma chapa encabeçada por um candidato do PDT. À Folha de S. Paulo, Jean de Liz, que foi candidato em 2020 a prefeito de Rio do Sul (SC) pela coligação com o PL, afirmou que Francisco “não colocava meu nome nos adesivos, não queria nem estar nos mesmos espaços que eu". Disse ainda que o autor do atentado tinha ideias extremistas. "A paixão pelo bolsonarismo virou uma cegueira. Ele dizia, por exemplo, que as falas do Bolsonaro sobre matar opositores, metralhar esquerdistas, eram brincadeiras e não deveriam ser levadas a sério".
Ainda não é possível saber a autenticidade das postagens — se realmente foram publicadas por Francisco. A PF, em nota, afirmou que “não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento". A Meta excluiu o perfil de Francisco do Facebook e do Instagram. 
Meta fechou acesso ao perfil de Francisco Wanderley no Facebook

Morte por explosão

Mensagens que circularam no início da noite de quarta-feira (13) nas redes sociais diziam inicialmente que um homem teria tentado atacar a estátua da Justiça com uma bomba, mas o artefato acabou voltando contra ele, causando sua morte aos pés do monumento que ele pretendia destruir. “Gente eu entendi agora que o cara queria fazer um atentado, jogou uma bomba na estátua que voltou nele e explodiu, terminou com o corpo aos pés da estátua que representa a justiça que ele queria atacar? Isso é morbidamente poético”, dizia um dos posts publicados. 
As imagens das câmeras do circuito de segurança do STF, divulgadas pela imprensa, mostram o momento em que Francisco Wanderley se aproxima da estátua da Justiça. Um segurança, ao perceber a movimentação, faz uma abordagem. Francisco recua e lança artefatos explosivos em direção ao STF. Ele se afasta da abordagem do segurança e, nesse momento, é possível ver que ele acende um novo artefato sobre si — e deita no chão. O artefato explode em seguida. 
Em nenhum momento a gravação mostra que o artefato lançado contra o monumento em frente ao STF volta contra Francisco, como diz a publicação disseminada nas redes.
De acordo com uma testemunha, em depoimento dado à Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), "o indivíduo trazia consigo uma mochila e estava em atitude suspeita em frente à estátua, colocou a mochila no chão, tirou um extintor, tirou uma blusa de dentro da mochila e a lançou contra a estátua. O indivíduo retirou da mochila alguns artefatos e com a aproximação dos seguranças do STF, o indivíduo abriu a camisa e os advertiu para não se aproximarem".
Em seguida, “deitou no chão, acendeu o último artefato, colocou na cabeça com um travesseiro e aguardou a explosão”. 

Próximos passos da investigação

A PF apura o atentado a partir de duas linhas de investigação: abolição do Estado democrático de Direito e terrorismo. Para os investigadores, esse foi um caso premeditado e planejado a longo prazo. O inquérito da PF será encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes. 
De acordo com o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, as informações colhidas até o momento pela PF apontam que os fatos estão diretamente relacionados a outras investigações já em curso na Corte e sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. “Revelam possível prática de delitos contra o Estado Democrático de Direito, com o objetivo de atentar, por meio de violência, contra a independência do Poder Judiciário e o Supremo Tribunal Federal”.

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Maiquel Rosauro
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