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Teorias conspiratórias sobre interferência política de Trump no Brasil ganham força nas redes
03.01.2025 - 08h00
Rio de Janeiro - RJ
Em 2025, Donald Trump retorna à presidência dos Estados Unidos. Desde sua primeira eleição, para o mandato de 2017-2021, a desinformação é um traço de sua inserção política, a exemplo das alegações de fraude eleitoral, que remontam a 2016. Naquele ano, já eleito presidente, o republicano afirmou que milhões de pessoas haviam votado ilegalmente, o que não é verdade.
O discurso de fraude nas eleições foi uma constante desde então, com Trump no cargo ou não, até desaparecer abruptamente após a vitória em 2024. Como mostrou a edição de 7 de novembro da Ebulição, newsletter produzida pela Lupa, em cerca de quatro horas as narrativas de fraude eleitoral desapareceram de grupos públicos de WhatsApp e Telegram ligados a apoiadores do republicano.
No Brasil, a volta de Trump ao cenário político trouxe à tona novos tipos de discurso desinformativo. Com o anúncio de alguns nomes que irão compor o governo Trump, como Marco Rubio, senador conservador indicado para Secretário de Estado; Pete Hegseth, comentarista da Fox News, anunciado como futuro Secretário da Defesa; e Elon Musk, dono do X e da Tesla, que chefiará o Departamento de Eficiência Governamental, a expectativa de um governo ainda mais radical gerou postagens nas redes com alegações infundadas sobre o futuro das relações Brasil-EUA.  
Nas redes, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro parecem esperar que o novo governo Trump adote medidas capazes de interferir na política brasileira. Especialistas explicam, no entanto, que o poder de um presidente estrangeiro sobre o Brasil é limitado, já que cada país tem soberania para implementar medidas em seu próprio território.
De acordo com o professor de Relações Internacionais Maurício Santoro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), para muitos dos simpatizantes de Jair Bolsonaro, Donald Trump representa um aliado estrangeiro que poderia ajudá-los em suas pretensões políticas no Brasil, principalmente no que diz respeito à imposição de sanções e punições a pessoas ou instituições vistas como adversárias.
“Contudo, essas visões romantizam o papel global dos Estados Unidos e superestimam o que um presidente estrangeiro pode fazer com relação ao Brasil (...) Até onde vejo, essas alegações são principalmente fruto da projeção de desejos, da vontade de vencer politicamente e fazer uma leitura exagerada das próprias forças. Mas é possível que haja influenciadores e líderes propagando de propósito o que sabem ser fake news”.
Confira, a seguir, algumas das alegações que circularam nas redes sociais após a eleição de Donald Trump e por quê não se sustentam. A posse do republicano acontecerá em 20 de janeiro.

Trump vai prender Alexandre de Moraes

É falso que Trump vá prender Alexandre de Moraes. A alegação de que o republicano iria “botar o Alexandre de Moraes na cadeia” assim que assumisse a presidência partiu do senador brasileiro Marcos do Val (Podemos-ES). A frase foi dita pelo parlamentar durante uma live transmitida em agosto, mas viralizou nas redes após a eleição de Trump.
Não há registros publicados que permitam afirmar que Trump, de fato, tenha dito isso. Também não é verdade que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o “Tribunal Criminal Internacional” são as “únicas duas instituições com autonomia e legalidade de prender o ministro” do Supremo Tribunal Federal (STF), como disse o senador. 
A CIDH é um órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) que investiga violações de direitos humanos praticadas por países e, no máximo, faz recomendações para os Estados membros. A Comissão pode acionar a Corte Interamericana de Direitos Humanos que pode julgar Estados, mas não indivíduos. Além disso, não existe um “Tribunal Criminal Internacional”, mas o Tribunal Penal Internacional, que julga indivíduos apenas por crimes de agressão, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e genocídio.
De todo modo, o ministro do STF não seria preso por ordem direta de Donald Trump, pois uma decisão desta natureza teria de ser submetida a instituições judiciais que o presidente norte-americano não controla. O especialista em Direito Público Ricardo Macau classifica a alegação de que Trump irá prender Moraes como “absurda”.
Ele explica que, mesmo que ocorresse um processo judicial nos Estados Unidos que culminasse em um pedido de extradição, caberia ao STF julgar a validade do pedido. Se a Corte brasileira o considerasse válido, poderia autorizar a extradição, decidida pelo Presidente da República. Mas há regras que impedem a extradição do ministro.
Alexandre de Moraes é brasileiro nato, ou seja, tem nacionalidade brasileira desde que nasceu. O Brasil, conforme previsto no artigo 5º da Constituição Federal, não extradita brasileiros natos, independentemente da natureza do delito cometido.
As únicas possibilidades de prisão de Moraes pelas autoridades norte-americanas seriam, após o devido processo legal e a eventual expedição de um mandado, a presença do ministro do STF em território estadunidense, ou a extradição por um terceiro país onde o magistrado se encontre. 
“Tudo o que você consiga imaginar, em termos de possibilidades jurídicas, indica que esta é uma notícia falsa”, diz Macau.

Bolsonaro recebeu passaporte diplomático dos Estados Unidos

Assim como Trump não irá prender o ministro Alexandre de Moraes, Jair Bolsonaro não recebeu um passaporte diplomático dos Estados Unidos, como se espalhou pelas redes. A alegação foi desmentida pela própria assessoria de Bolsonaro, que a classificou como “maluquice”.
Publicações nas redes sociais diziam que Trump havia concedido o passaporte diplomático para que Bolsonaro pudesse estar presente na cerimônia de posse presidencial nos Estados Unidos, em 20 de janeiro de 2025. Até esta data, porém, o presidente eleito não está investido no cargo e, portanto, não toma decisões pelo governo estadunidense.
À Lupa, o professor de Direito Internacional Público no Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro (Iuperj/UCAM) Guilherme Bystronski afirmou que a concessão de um passaporte diplomático norte-americano em nome de Jair Bolsonaro não teria qualquer efeito. Isto porque há uma ordem da Justiça brasileira que impede que Bolsonaro deixe o país.
“O fato de o Bolsonaro obter passaporte diplomático não muda a situação dele. Ele não teve apenas o passaporte [brasileiro] recolhido, ele tem uma proibição de sair do território nacional, expedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Por mais que ele tenha passaporte de outro país, ele não consegue sair do Brasil, nem com o passaporte brasileiro, que está retido, nem com passaporte de qualquer outro país”, disse Bystronski.
Em 2023, após os atos golpistas de 8 de janeiro, o ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani, afirmou que Jair Bolsonaro não tem cidadania italiana e não a requisitou. O chanceler afirmou, ainda, que mesmo que o ex-presidente faça a solicitação do reconhecimento da cidadania, não deve obtê-la.

Trump declarou que não fará negócios com o Brasil enquanto esquerda estiver no poder

Um discurso proferido por Donald Trump em 6 de novembro, após o canal Fox News projetar sua vitória na eleição presidencial, foi manipulado e circulou com alegações falsas em redes sociais. Segundo a publicação enganosa, o presidente eleito teria dito que não faria negócios com o Brasil enquanto o país fosse governado pela esquerda.
Conforme a Lupa mostrou, a legenda e a narração do vídeo original foram alteradas, e publicações nas redes não correspondiam à fala original de Trump. No momento em que Trump dizia a frase “every single day” (“todo dia”, em português) no discurso original, o conteúdo enganoso veiculava a frase “It’s an incredible country with wonderful people” (“É um país incrível com gente maravilhosa”), em referência ao Brasil.
Mesmo com países rivais, como é o caso da China, os Estados Unidos mantiveram relações políticas e comerciais ao longo de todo o primeiro mandato de Donald Trump. Recentemente, o republicano chamou o presidente da China, Xi Jinping, de “amigo”. Apesar da sinalização de um comportamento ainda mais protecionista em um segundo mandato, em nenhum momento Trump afirmou que deixaria de negociar com o Brasil.
Para o economista Marcos Troyjo, que foi secretário de Comércio Exterior durante a gestão Bolsonaro e presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco dos Brics, de 2020 a 2030, as dificuldades no relacionamento bilateral Brasil-EUA a partir de 2025 contrastam com o provável cenário econômico que se avizinha. 
Em entrevista ao Poder 360, Troyjo avalia que o endurecimento das relações comerciais dos EUA com a China deverá beneficiar o Brasil, único país capaz de substituir os norte-americanos na venda de alimentos para o país asiático. O economista também acredita que a maior disposição de Trump em ajudar o governo argentino de Javier Milei deve beneficiar o Brasil, já que a Argentina é um país relevante para a economia brasileira.

Marco Rubio exigiu, do STM, lista de militares contrários a Bolsonaro

Outra alegação enganosa que circulou foi a de que o senador pela Flórida Marco Rubio, anunciado por Trump como futuro Secretário de Estado – cargo similar ao de ministro das Relações Exteriores –, teria pedido ao Superior Tribunal Militar (STM), no Brasil, uma lista com nomes de militares traidores de Jair Bolsonaro.
No WhatsApp e no Telegram, um texto sem autoria circulou com alegações de que Rubio estaria em contato com o STM, obrigando a instituição a revelar os nomes de generais que “ameaçaram Bolsonaro e sua família de morte”. Em 15 dias, o conteúdo atingiu mais de 70 mil usuários no Telegram e no Whatsapp, segundo dados da Palver, parceira da Lupa no monitoramento de grupos públicos nos dois aplicativos de mensageria.
O Superior Tribunal Militar informou à Lupa que a alegação de que Marco Rubio estaria em contato com a corte é uma “notícia falsa”. Além disso, não há informações publicadas sobre qualquer militar brasileiro que tenha ameaçado Jair Bolsonaro ou sua família de morte.
Embora o senador norte-americano, de origem cubana, já tenha compartilhado críticas a Alexandre de Moraes e seja visto pela família Bolsonaro como um aliado político nos Estados Unidos, não há qualquer informação publicada que permita afirmar ingerência de Rubio sobre instituições brasileiras.

Congresso dos EUA aprovou cancelamento dos vistos dos ministros do STF

Após a vitória de Donald Trump, começou a circular nas redes a alegação de que o Comitê Judiciário do Congresso norte-americano aprovou o cancelamento dos vistos de entrada nos Estados Unidos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Como a Lupa mostrou, a informação é falsa
O que existe é um projeto de lei apresentado pelos deputados republicanos María Elvira Salazar e Darrell Issa. A proposta, ainda em estágio inicial, sugere barrar a entrada de autoridades estrangeiras envolvidas em atos de censura contra cidadãos norte-americanos. Para virar lei, no entanto, precisa ser aprovada na Câmara, no Senado e ser sancionada pelo presidente. Nada disso ocorreu até o momento.
Embora Salazar já tenha criticado o ministro do STF Alexandre de Moraes, o projeto de lei não cita o Brasil, o STF ou qualquer autoridade brasileira. O texto propõe impedir a entrada de qualquer estrangeiro que “enquanto servindo como funcionário de um governo estrangeiro, tenha sido responsável ou tenha aplicado diretamente, a qualquer momento, qualquer ato contra um cidadão dos Estados Unidos”.
Em maio de 2024, uma comitiva formada por apoiadores de Jair Bolsonaro participou de uma audiência sobre o Brasil na Câmara dos Deputados. A deputada María Salazar chegou a expor uma foto de Alexandre de Moraes e afirmou que o magistrado impõe restrições à liberdade de expressão. A manifestação contrária a Moraes, no entanto, não foi incorporada ao projeto de lei assinado pela deputada.

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