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STF volta a julgar responsabilização das big techs em meio a ameaças de sanção a Moraes
03.06.2025 - 18h40
Rio de Janeiro - RJ
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta quarta-feira (4), o julgamento que pode declarar inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Aprovado em 2014, por meio da Lei 12.965, a norma estabelece princípios e garantias para o uso da internet no país. O artigo em discussão trata da responsabilização de provedores de aplicações digitais — em geral, big techs — por conteúdos publicados por terceiros.
A retomada do julgamento ocorre em meio a especulações sobre possíveis sanções dos Estados Unidos ao ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF). No último 21 de maio, o secretário de Estado norte-americano Marco Rubio afirmou, durante sessão na Câmara dos Representantes, que havia uma “grande chance” de Moraes ser punido.
As articulações para a sanção envolvem a presença do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro, que desde março vive nos Estados Unidos, e têm como pano de fundo a atuação de Moraes no STF. Relator do inquérito que investiga a tentativa de golpe de Estado, o ministro já declarou que os ataques de 8 de janeiro de 2023 demonstraram a “total falência da autorregulação de todas as redes sociais e big techs”, tema que agora volta à pauta do plenário.
O pesquisador sênior do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), João Victor Archegas, avalia que hoje está mais claro que o Congresso Nacional não pretende dar seguimento às discussões do PL 2630 — o PL das Fake News, que regularia plataformas digitais. “Então, o STF volta àquele ponto e àquela convicção de que deve atuar em relação a essa matéria”.
Atualmente, empresas de redes sociais e aplicativos de mensagem só podem ser civilmente responsabilizadas por conteúdos veiculados em suas plataformas caso descumpram ordens judiciais de remoção. O regime em vigor, conhecido como “ordem judicial e retirada”, permite que as big techs hospedem, impulsionem e lucrem com conteúdos potencialmente danosos até que o Poder Judiciário determine sua exclusão.
O artigo 19, que estabelece essa regra, é explícito ao dizer que tem “o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”. Mas, passados mais de 10 anos desde a entrada em vigor do Marco Civil da Internet, as regras de responsabilização das plataformas digitais tornaram-se alvo de intenso debate. Como a Lupa mostrou em dezembro do ano passado, a alteração da regra divide especialistas.
Quando o Marco Civil foi aprovado, em 2014, o cenário era outro: anúncios pagos eram pouco comuns e a figura dos influenciadores digitais ainda engatinhava. De lá para cá, as plataformas se integraram à vida social e política, e se transformaram em grandes impulsionadoras de conteúdo. Com a crescente possibilidade de monetização, a desinformação muitas vezes se tornou fonte de lucro, em desrespeito às regras estipuladas pelas próprias plataformas
No Brasil, em especial, o debate ganha contornos ainda mais graves diante da constatação — formalizada em denúncia da Procuradoria-Geral da República ao STF — de que as redes foram usadas para disseminar informações mentirosas com a intenção de descredibilizar o sistema eleitoral e atacar instituições públicas.

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Resta saber o que, de fato, será decidido. Como explicou à Lupa a pesquisadora do Karsh Institute of Democracy da Universidade da Virgínia e professora da FGV Direito Rio, Yasmin Curzi, se a regra for considerada inconstitucional, o artigo será removido do ordenamento jurídico e a responsabilização das plataformas passará a ser regulada principalmente pelo Código de Defesa do Consumidor, que prevê a responsabilidade objetiva das plataformas, ou seja, elas podem ser responsabilizadas mesmo sem decisão judicial. 
Até agora, os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli votaram pela responsabilidade objetiva das plataformas digitais, ou seja, pela inconstitucionalidade do dispositivo. Toffoli já afirmou, inclusive, que o artigo 19 protege conteúdos desinformativos e acoberta a violência digital.
Há, ainda, a possibilidade de o Supremo adotar a chamada “interpretação conforme”. Nesse caso, o artigo 19 continuaria em vigor, mas passa a ser interpretado à luz da Constituição Federal, com um olhar sistemático para discursos que devem ser protegidos pela liberdade de expressão. Se esta for a decisão, o STF poderia instituir dois regimes paralelos: o de notificação extrajudicial (já aplicado em casos “evidentes” de ilicitude, como racismo ou vazamento não autorizado de imagens íntimas) e o chamado “dever de cuidado”, que exigiria das plataformas mecanismos proativos para conter a disseminação de conteúdos como desinformação eleitoral, terrorismo e abuso infantil, por exemplo. Foi essa a interpretação defendida pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, em seu voto.
Ainda restam votar os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Flávio Dino, Gilmar Mendes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes.
Na avaliação de Curzi, que assina um amicus curiae favorável à interpretação conforme — como parte não interessada, mas que oferece subsídios ao STF —, há chances de Mendonça e Marques votarem pela manutenção do dispositivo, ou seja, pela constitucionalidade do artigo 19. Os demais ministros devem optar pela inconstitucionalidade ou por uma interpretação conforme. A posição de Zanin, até o momento, segue indefinida. 
Para Archegas, a imprevisibilidade do julgamento é um dos principais pontos de preocupação. “Não se sabe para onde o Tribunal vai (...) a gente corre o risco real de chegar no final desse julgamento, com os 11 votos, e não saber o que, de fato, o STF decidiu. Isso pode gerar um quadro de instabilidade jurídica grave, que certamente vai ter que ser resolvido nos próprios tribunais brasileiros nos próximos anos”, diz.
Algumas projeções apontam um impacto orçamentário de mais de R$ 700 milhões em um cenário de hiper judicialização decorrente da responsabilidade objetiva das plataformas.
Sessão plenária do STF em que o presidente do tribunal apresentou seu voto, em 18/12/2024 - Imagem: Antonio Augusto/STF
Às vésperas da retomada do julgamento, o presidente do Google no Brasil, Fábio Coelho, afirmou que a extinção do artigo 19 poderá colocar em risco conteúdos de humor ou de jornalismo investigativo. Segundo ele, em um cenário sem essa proteção, as plataformas teriam que remover qualquer conteúdo questionável para não correrem riscos legais e financeiros.
Em perfis e canais de direita, a possível derrubada do artigo 19 é interpretada como censura. Durante entrevista ao canal no YouTube Auriverde Brasil na manhã desta terça-feira (3), o senador Magno Malta (PL-ES) disse estar preocupado com o julgamento. “Vão nos calar de vez”, afirmou.
Um site de direita chegou a lançar um abaixo-assinado “contra o Marco Civil da Internet”. Conforme a página, até as 13h desta terça-feira, 37 mil assinaturas haviam sido coletadas. Ao lado do formulário para envio de dados pessoais, aparece um homem com uma fita sobre a boca, sugerindo silenciamento.
Archegas destaca que a declaração de inconstitucionalidade “em si, não seria um ato de censura”, pois são fenômenos que não se confundem. “Mas fato é que uma declaração de inconstitucionalidade, sem parâmetros claros sobre o que se coloca no lugar do artigo 19 do Marco Civil da Internet, pode levar a um cenário de instabilidade”.

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Francisco Amorim
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